terça-feira, 31 de julho de 2012

Sopa de Graça



Eu rio. Da graça que perdi em algum canto da vida (que anda meio revirada). Rio da desgraça de ter perdido a graça, e de ter descoberto nas primeiras badaladas da noite, a desgraça que é ter perdido a droga da graça. Perdi foi o sal da sopa, salpicada com letras repetidas de amido.

Sinto-me, aliás, todo sem sal, nessa enésima despedida (binária, cheia de zeros e uns). Sinto que os frutos colhidos caíram todos do pé e escaparam pelos dedos, rolando amassados, morro abaixo. Que descuido deixa-los despencar assim! E já não tenho pernas para o morro íngreme.

Assisto-os fugir da vista (que é a última a perdê-los), rodopiando desengonçados para muito além de onde poderei encontrá-los, quando o mundo reeditar as linhas retas. De onde estou, fica só a fome. E os bigatos dos frutos, também famintos, esperando que eu me decomponha.

Pois decomponho-me, vermes malditos, mas, tenham calma! Compartilhem deste último prazer da lamentação gratuita e óbvia, que ofereço-lhes em seguida a carne putrefata. Quero mais nada com este corpo cheio de artroses e manias bobas. Tentei de tudo, para ter de tudo.

E descobri que tudo é tanta coisa, que jamais poderia ser armazenada. É tão abundante que, jamais catalogada. É tanto, que não cabe em um lugar só. Quem no mundo para ter tudo? Deus deu a graça da escolha e escolha, a Deus é obrigação (a máxima que não perde a graça!).

Ter algo é, incontestavelmente, não ter outro algo qualquer. Por isso a gente escolhe. Pela obrigação e pelo esporte. A porta dos desesperados. Duro é quando tomam a decisão por nós... Mérito de Deus dar a brincadeira e nos deixar brincar. Então me deixa brincar também!

Deixa, que eu levo a brincadeira a sério. Jogo para o alto o tabuleiro e me atiro no jogo. Com uma vontade incontrolável de salgar minha sopa, de recolher os frutos andarilhos e esmagar seus vermes. Doido (como um bom doido) para rir ruidosamente e logo, da graça recuperada.

domingo, 22 de julho de 2012

Domingulite


                                                                                                             Arte: Cadé Monteiro

Calafrios em cada uma das vertebras. Individuais, sucessivos e em intervalos regulares. Pupilas dilatadas e mãos tremendo involuntariamente. Passam as horas e aumenta a angústia. É uma dor insuportável que aflige dentro da alma mas que, cruel, não irrita um só pelo do lado de fora.

Pergunto quando é que os domingos terão, finalmente, cara de começo? Diabo de dia que abre as semanas (todas elas) com a maior sensação de fim do mundo! Não sou só eu, sei, por isso, colega, que agonia! Deve ter um termo técnico para nossa patologia e algum tarja preta indicado.

Daí me entupo infanto-juvenil, da lua em diante, como se confeitos coloridos para hipoglicêmicos compulsivos. Dê-me apenas o nome que o resto é comigo! Quinhentos miligramas, orabase, hora em hora. Domingo a noite não faz bem. Autoterapia autodestrutiva. Dessa vez, só eu?

Tenho cá minhas dúvidas, pois, conheço os que me cercam. São essencialmente minha inspiração e uma metade de mim que dedico à configuração complementar do ego. Meio de mim sou eu, meio de mim são eles. E eles pensam, sofrem, rangem os dentes no escuro.

Mas me mantêm de pé seis dias por semana. Nos dias menos solitários e menos individuais. Dias que me ocupam de tédio, dispersão, desencontros, rotina e alguma lucidez na inspiração. Dias em que o álcool é possível com diálogos eloquentes, incoerentes e tilintados a cada gole.

Domingos não são assim, porque, se domingo fosse um dia como qualquer outro, eu estaria lá, qualquericando a noite para afoga-lo no tinto profundo da taça. Em diálogos eloquentes, incoerentes e tilintados a cada gole. Pois, o único meio de ser, ou, do contrário, domingo...

Que é sim, irritantemente igual, ainda que escondido em uma véspera de feriado. Semana a semana é a mesma coisa. Mais de mil e quinhentas delas já, mais três mil adiante. Tento fingir, todo domingo, que ficará tudo bem, mas, uma hora, a cabeça vai para o travesseiro e...

Vem as promessas atrasadas, os compromissos postergados, as metas caducadas e as pessoas. Todas aquelas que partiram. Para se proteger ou para me proteger, para viver histórias da própria vida, incompatível à minha. Tem sempre algum novo protagonista na página virada, do capítulo do passado.

Me recomponho na segunda-feira. O dia do alívio! Quando tudo começa de fato. Sofro, meus caros, de um caso crônico de domingulite. E se nalgum dia vocês já não me encontrarem por aí, saibam que fiquei entalado entre a televisão e o sofá. Catatônico e cozido, na baixa madrugada.

sábado, 14 de julho de 2012

Eu Gosto é do Gosto



Trata-se de um vício, e dos mais refrescantes. Se qualquer dia desses algum diagnóstico clínico: Vício. Do latim Vitium. “A prática frequente de um ato considerado pecaminoso”. “Um hábito inveterado, mania”. Ou ainda, meu preferido: “Dependência do consumo de uma substância”.

É exatamente disso que se trata! Obsessão. Minha fuga, reclusão e total alienação. Sou o mais indiscreto consumidor. O delinquente dependente que, salvo as horas de pura impossibilidade, entregue de corpo, alma e goela ao que mantém vivo, embora também, mate aos poucos.

Mas, se para morrer aos poucos, respirar a poluição das metrópoles ou o tédio (do que restou) do interior, já bastam, viciado na vida! No que mais? Celebrando a devoção maior que minhas forças, contrárias à corrente que leva na direção da maré. Sem canoa, sem remo e sem rumo.

Decepo logo o lacre que me distancia do elixir mágico da felicidade. O invólucro irresistente que faz nada senão mero charme à minha necessidade, cada vez mais frequente, diária e vital. Esbaldo-me no suco. Derrotado e sem oxigênio, que a formulação química da vida é outra!

Satisfaço-me na solidão ou na multidão, na subversão do corpo e da mente. Na verdade, é na sobversão! Ora essa, nunca mais para baixo, e nunca mais menos! Não enquanto envolvido nos doze, treze ou quinze por cento do valor nutricional que o corpo pede, para ficar de pé.

Mesmo que cambaleante. Pois o gingado proporcionado é suingue em pista de dança. E danço a vida, que é na pista que ela acontece. Dois para lá, dois para cá, chão! Taça, pulo, copo, sacolejo, chão. Cada nova porção sorvida é desapego ao corpo físico, é força transcendental.

Esforço-me erectus por convenção, ao mesmo tempo em que me lixo para a condição reta do corpo. Quanto mais dentro do vício (e da vida), menos dependente da massa estúpida de carne, pele, ossos e cicatrizes. E quanto menos resisto, mais vivo a felicidade intangível da vida.

Brindo os pulmões pulsantes. O coração vibrante. O fígado impenetrável! Brindo essa coisinha pouca que nomeei felicidade. Eu brindo porque gosto, e também quando me lembro. E lembro bastante, que a memória está sempre ali, martelando. O que eu gosto, é do gosto... da vida!

terça-feira, 10 de julho de 2012

A Parábola da Sequoia (ou a Parábola do Se Caio)



Pretendi devanear sobre os limites do conhecimento e tenho cá o meu, que é justo. Pensei na parábola perfeita, aquela do desprendimento do solo, de alçar voos cada vez mais altos e em todas as direções, buscando um tal de conhecimento livre (das rotas, estradas e semáforos).

Li sobre as sequoias, e todo esse gigantismo natural e ilimitado delas. E, no fim, a parábola é boa, vejam só: As sequoias germinam do solo virgem, fecundo e fundamental. Espalham suas raízes sob a terra e não param de crescer. Depois delas, através delas, só por cima delas!

Sei que já está claro, mas, se eu reforçar a ideia, minha frustração se tornará mais divertida adiante: Chão é base. É alicerce fértil. O chão é a origem, ou o “úterus intelectus”. Sequoia é conhecimento, é vivência, o dia-a-dia experimental/experiencial da gente. Sequoia é ilimitada.

Aí, do alto da parábola, no cume da curva desaceleraria que aponta o desfecho para baixo (minhas parábolas partem sempre de baixo. Por que voltam para baixo), resta a nós, sermos... a natureza! E, naturalmente, não sou a natureza. Nem eu, nem você. Mesmo que vegetariano!

Na natureza, o homem vai ser sempre o homem. Dominante. No solo, vai plantar grãos ou pasto para gado. Da sequoia, fará casa e utensílios. É que, do homem, a natureza é vassala. Mas paro! Que o intuito é outro e militância ecológica é coisa de elfos, gnomos e unicórnios!

O que quero dizer, retomando a ideia de conhecimento é que, solo, apesar de base, é, também, profundidade. Eu humano, cercado de sequoias, vejo pouco se no chão. Troncos, folhas, terra, grama e muito pouco de quase nada. Abrangência? Só se escalando a titânica conífera.

Pois do alto, lá do topo dos cem metros, vejo o mundo e toda a natureza que se curva diante da imponência da sequoia. Minha visão atravessa o bosque e seus lagos, atravessa as cidades, os continentes, os oceanos e dá a volta ao mundo. Lá de cima eu vejo muito, de quase tudo.

Mas que conhecimento é esse que me apresenta todas as coisas tão pequenas e tão isentas de detalhes? Eu gosto dos detalhes! Ao subir a sequoia, metro a metro, adquiro mais conhecimento que no bucolismo panorâmico do topo. Ali, envergado, mal sei onde estou.

Talvez até pareça que eu não acredito no conhecimento ilimitado. Na verdade, penso que não dá para saber tudo, de tudo. E gosto de acreditar que algum dia me reservo só a aquilo que gosto, assumindo a burrice crônica ao que não interessa. Escalar uma sequoia, que trabalho, leva uma vida!

Mas agora que subi, olho para baixo pensando: E se caio? Se caio, são mais cem metros de conhecimento. E lá embaixo, todos os ossos quebrados, sei tudo o que preciso, sobre queda, sobre parábola, sobre a morte e sobre tudo, tudo o que me interessa. Se caio, é de cabeça.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Ode ao corinthians



Sou como os cem milhões de brasileiros que não os trinta errantes: Odeio o corinthians! Sim, sou como cada um destes cem que tem motivo nenhum ou qualquer motivo torpe para o ódio. Mas, mea culpa universal, que motivo mais justo para o ódio que motivo algum?

Por isso então odeio, e é de coração! Sincera e verdadeiramente odeio! Com intensidade maior, às vezes a alias, que alguns de meus amores mais puros. Mas, nos dias de hoje, tornou-se inútil e desisti de encontrar razão para isso. É apenas para ser assim e ponto!

Noutras ocasiões tentei justificar o sentimento em alguns torcedores mais exaltados, depois pela marra de um ou outro ídolo arrogante e presunçoso, aí a inveja pela imensa massa apaixonada e, mais recentemente, a soberania sem fim sobre meu time.

A verdade é que no Brasil, o clube do parque são Jorge não é um clube qualquer, é uma instituição nacional que se escolhe amar ou odiar. Escolhi convicto o lado do ódio e não me arrependo (rendeu muitas alegrias). Até que hoje me caiu a ficha do grande dilema:

Libertadores da América! A menina dos meus olhos, nossa eterna namoradinha agora em braços corinthianos, dançando essa dança inédita em plena terceira idade. E o pior, envolvida nos passos brutos e feios da retranca. E eu, enquanto isso, assistindo atado ao baile.

Pois do contrário, para estragar a festa, só se tango! E tango, apesar da beleza, não dá! Não outra vez! Pois eis o maldito dilema: corinthians ou boca? Roto ou rasgado? Passei algumas horas sem dormir (poucas, que tenho mais o que fazer!) pensando a respeito.

Se corinthians, cai finalmente meu último porto seguro e nada mais terei na manga para dissimular a inferioridade atual do meu Soberano. Se boca, boca... Mais um argentino no topo. Mais uma vez o pior deles. O cortinthians portenho e intercontinental.

Pelo menos no primeiro duelo, paz. Pena que não dá para ser assim para sempre, pena! Hoje, mesmo se empate, alguém leva a droga do caneco para casa. Dentro de instantes, logo menos. A mim, resta pouco senão a anestesia do álcool e a esperança de dias melhores, ano que vem.

Porque não há resultado que me faça feliz essa noite, pelo contrário! Mas, contra os prognósticos, tomei uma decisão: Vai curintia! Faça sua obrigação e sepulte de vez a birra que provoca em todos nós, das outras delegações. Enterre o boca e toda a prepotência argentina.

Vai curintia! Ser campeão da libertadores, que o mundo está a seu favor. Vai curintia, pelos grandes amigos errantes que aprendi a ter e porque não sei mais como lutar contra. Mas não se esqueça, nunca e por favor, que meu cooperativismo hoje é só meio tempo no ódio.

Porque, de amanhã em diante, é vai curintia, e você sabe bem para onde!


domingo, 27 de maio de 2012

As Peripécias de um Competidor



Antes de mais nada, sou eu, é claro! E não dos bons, digo, dos bons se no quesito reles competidor, porque, nem sempre competitivo. Apenas pelo espírito esportivo da supremacia, apesar da incompetência, às vezes. Corri minha quarta maratona há pouco, muito pouco!

Muito pouco maratona, aliás, micromaratona como decidi chama-las. Porque pequena para o nome, embora imensas para minhas pernas esguias. E se, MicroMalta todos os dias, porque não micromaratonas aos domingos? Ora, a analogia é a mesma, se pernas esguias forem vida.

Corri solo dessa vez. No fim é sempre solo, ainda que acompanhado, mas descobri (e só a solidão (qualquer que seja) proporciona certas reflexões) que não nasci para correr sozinho. Para muitas coisas sim, acreditava inclusive na solidão do trote. Mas só, faltam algumas coisas.

E não só os habituais e belos olhos azuis no topo do metro e noventa (que é apenas meu irmão, mas modéstia à parte, lá em casa a beleza é congênita!), o que falta mesmo é um parceiro! Para manter o ritmo até o fim, disfarçar a fadiga e garantir o quilômetro seguinte.

Porque quando dois (ou mais) pares de pernas, o ritmo acaba sendo um só. E os dois pares de pernas trotam como um cavalo de corrida, não pelo porte ou velocidade, mas, pela precisão quadrúpede! Na corrida de hoje faltou, além do ânimo para o fim, minha parte posterior!

E explico, considerando a corrida da semana passada: 6Km, subidas íngremes, paralelepípedos. Trecho completado sem maior desgaste que os pulmões cansados. Hoje? 5Km, praticamente plano. Trecho completado, com interrupção e reidratação do corpo e alma e caráter e orgulho.

Fui do céu ao inferno e voltei para o meio do caminho (tudo graças a esse ímpeto idiotamente competitivo (que não abro mão, pois me divirto com ele!)). Descrevo agora a odisseia do dia e vocês, se puderem, convalesçam por mim:

Para ganhar posições, tratei de me embrenhar à frente no corredor de largada, a fim de deixar retardatários oficiais fora do meu caminho. Só assim poderia garantir ao menos umas 300 posições à frente! Soada a buzina, disparei desembestado, com Cornershop nos ouvidos.

Senti a glória particular de figurar na elite algum tempo. E foram segundos, podem apostar! Antes da primeira curva me sentia como se estivesse sentado, dado o volume de pernas que me ultrapassavam sem nenhum remorso. Preciso dizer o mal que isso faz a um competidor?

Acelerei o passo tentando acompanha-los, mas, que negação! Não importava o que fizesse, jamais poderia manter a passada nos próximos 4,5Km! Logo desisti da liderança e retomei a disputa entre os mais debilitados, feito eu. Mas todos ao meu lado ainda tinham fôlego.

No final do primeiro quilômetro, retomei o orgulho quando percebi a queda de 1min no meu tempo médio. Para quem corre, essa é a maior motivação. Mantive a pegada nos próximos dois Km e só percebi pouco antes do terceiro que meus pulmões tinham ficado pelo caminho!

Mas eu já tinha corrido sem pulmões antes e poderia fazer de novo! Já havia passado mais de meia corrida, e eu já tinha me afogado com o copo d’agua do quilômetro dois (as vezes eu teimo, mas não sou do tipo multicoisas!), sendo assim o que mais poderia acontecer?

Os músculos! Faltavam eles darem o ar da graça... A panturrilha direita, o tornozelo esquerdo e eu quase agonizando entre músculos, tendões e ossos. Sem meu parceiro, não resisti mais que 200 metros e, andando, vi outro batalhão me abandonar, mancando pelo gramado.

Dei uma olhada no tempo e ainda estava na casa dos cinco minutos por quilômetro, que desperdício! Não conseguia parar de olhar o relógio enquanto sentia o pulsar esgotado das pernas. Tive então uma súbita luz, lá do tempo em que meu joelho era o maior vilão!

Lembrei que, apesar da gana pela vitória, de querer estar sempre à frente, o tesão da corrida nasceu de uma necessidade articulatória e que a vitória era só minha, e de mais ninguém! Que minhas deficiências eram o único obstáculo e oponente a ser batido. Apertei o passo.

Voltei a correr antes do quarto quilômetro e, com tudo ainda doendo no limite da minha resistência, abdiquei dos outros competidores, tentando apenas me vencer! Mais adiante cruzei um velho conhecido e, de tão desapegado, não vi se terminei à frente dele ou não!

Quando cruzei a linha de chegada, mais morto que vivo, interrompi o cronômetro e me orgulhei de, apesar dos pesares, ter terminado alguns segundos abaixo do meu tempo regular. Isso só pode ser uma vitória, de alguma forma! Mas brow (meu irmão), na próxima, por favor!

Sentei para descansar e comer umas frutas, já quase restabelecido, e interagi com desconhecidos que também celebravam suas vitórias individuais. Foi só depois de lembrar que não interajo com desconhecidos, que saquei estar realmente orgulhoso do saldo final...

Por isso, decidi compartilhar!

sábado, 26 de maio de 2012

Madrugada Típica no Metrô



- Oi!

- Oi...

- Esperando o trem?

- Sim, é por isso eu estou aqui...

- Sei...

- É...

- ...

- E você?

- A morte!

- O que tem?

- Estou esperando por ela!

- Ah é?

- É sim!

- E ela passa por aqui?

- Hoje passa!

- E está naquela locomotiva que vem vindo?

- Não!

- Que pena...

- Já chegou!

- Ah é?

- Sim, está bem aqui!

- Tem certeza? E está vendo ela?

- Espero que sim...

- Hmm...

- Hmm-rmmm..

- Mas me diz, você faz o que?

- Sou artista!

- De que tipo?

- Taxidermia.

- Agora isso é arte?

- A minha é!

- Claro que é. E empalha o que?

- Gente!

- Gente?

- G-E-N-T-E!

- Hmmm... Legal...  – (um passo de distância)

- É bem legal, queria que você pudesse ver! – (um passo de aproximação)

- Quem sabe... Um dia... – (um passo mais, ao longe)

- Acho que não... É uma pena! – (um passo e meio e tocam os ombros)

- Porque você se aproxima de mim? – (voz trêmula)

- Gostei de você! – (feição psicopática)

- Vai me matar?

- Acha que eu devia?

- Por favor não.

- Tudo bem, não mato!

- Obrigado!

- Não, digo, não mato porque não sou capaz...

- Você é estranho! E está me assustando...

- Não se assuste.

- Então não me assuste. – (riso desconfortável)

- Mas eu queria te empalhar!

- Eu? Porque eu? Por favor não!

- Porque não? Você é tão bonito!

- Porque eu sou tão jovem, e tenho família e... espere, o quê?

- Você é lindo, meu mais lindo modelo, tenho certeza!

- É mesmo? Você acha?

- Sim...

- Sei, não deve ter muitos modelos!

- Cinquenta e sete. E ainda não conto você!

- Tudo isso? E onde estão eles?

- Lojas, museu de cera, universidades... Por aí!

- E sou o mais bonito?

- É, mas... Seria!

- O que houve, me tornei feio de repente?

- Não é isso...

- Então?

- Já disse, não posso mata-lo. Entenda, não suporto violência. Sou taxidermista!

- E o que tem? Não lida com a morte o tempo todo?

- Não, como artista, empalho gente já morta, não sou capaz de matar nem uma mosca!

- Entendo...

- Decepcionado?

- Um pouco.

- Eu sinto muito.

- E se, digamos, eu me atirar nos trilhos, enquanto o trem estaciona?

- Com sorte, consigo empalha-lo!

- É, tem razão, eu acabaria desfigurado...

- De qualquer maneira, tremendo desperdício você vivo. Sei até como te deixaria...

- É mesmo? Me conta!

- Sentado com desleixo. Um terno elegante e a mão apoiando a cabeça, como se algo constrangedor o preocupasse.

- E o que mais?

- Seu rosto, ocultaria ele. Um ar de mistério, vergonha e reflexão. Inspirador!

- Uau!

- Exatamente.

- Mas e agora?

- Acho que nosso encontro acaba aqui...

- Assim, sem nenhuma perspectiva? Nunca mais o verei?

- Quem sabe um dia... Quem-sabe-um-dia.

- Espere!

- o que foi?

- Só queria que você soubesse que vou me cuidar para morrer bonito, para você!

- E eu estarei esperando, te procurando por onde for, em cada necrotério dessa cidade.

- Então até lá!

- Até...

domingo, 13 de maio de 2012

A Porra Nenhuma



Sabe do que mais sinto falta? De nada! Sim, a mais pura e autêntica falta de coisa qualquer. Simples assim, simplesmente nada! Na cabeça, na agenda e no dia seguinte. Com o perdão da palavra, a PORRA NENHUMA! A cabeça oca de conhecimento, comprometimento, e do resto.

A mim, liberdade! Em stand by para aquilo que vale a pena. “Vamos lá ver as estrelas?” – “Vamos!”; “Topa descer a serra hoje e voltar amanhã?” – “Topo!”; “Cinema em vinte minutos?” – “Ô!”. E porque nunca mais? Porque não tenho tempo para nada, ou, para o nada!

Logo eu que abomino a submissão à falta de tempo (que é a grande desculpa dos preguiçosos), pois gosto é de crer que fazemos do nosso tempo o que bem entendemos, bem ou mal. Mas venho há muito me submetendo, deixando de lado algumas das coisas que gosto e que me dão norte.

Tudo em nome da economia de energia às coisas enfadonhas que, no fim, só nos arrastam para o buraco (e só percebemos no fim). A grande crueldade da vida é a inércia que empurra nosso corpo para as coisas chatas, nos obrigando a correr incansavelmente para outra direção.

Como se a felicidade não fosse natural, mas, uma conquista. E a vida trata de entupir nossa cabeça de compromissos e responsabilidades e pressões (sociais, morais, profissionais), deixando muito pouco espaço para o nada que antecede as grandes revoluções da gente.

O abençoado ócio! Ou o bocejo furtivo, mergulhado nalgumas páginas de Descartes durante o desjejum do fim da manhã, despegado dos ponteiros do relógio. Eis o caminho certo para a conquista da felicidade e a superação sobre os obstáculos impostos: Descartes no café da manhã!

Enquanto isso, eu no “Bom Dia, Brasil!”, uns quinze minutos e rua! Respirando esse ar blasé para a vida que vale a pena. Acreditando que largar mão da felicidade imediata, é colhê-la no futuro. Sabendo que não há futuro algum e louco, para apenas sentar num banco e ver o mar.

Sem culpa, nem pressa. Por horas!

domingo, 6 de maio de 2012

O Álcool no Sangue



Quando comecei a escrever, era sobre um pequeno casebre em Farellones, e tratava-se de um irrisório desabafo sobre o isolamento humano, num lugar gelado e muito longe daqui (Meu humilde paraíso). Mas, como os textos nascem na cabeça, antes dos textos, ficou para trás.

Agora, tudo o que tenho na mente é o prazer do álcool, dentro da minha corrente sanguínea, correndo mais desenfreado que um entusiasta da Fórmula Um! E o tema em vigor é Deus!  Minha segunda (ou terceira) obsessão. O alvo das minhas mais calorosas discussões.

Só que, vou confessar: Discussão apenas pelo esporte indefectível da retórica. É que gosto da argumentação inútil, tanto quanto de quiabo, temperando o intestino do boi. Mas, alcoolizado encaro, de braços abertos, qualquer temática inóbvia e soturna, a fim de alimentar minh’alma.

Porque não busco nada senão o perfume da desistência oponencial, que cede ao próprio argumento, fortalecendo o meu. Tanto que, desiste do próprio, para mudar o foco, dormir ou, apenas enaltecer meu ego debilitado e, eternamente carente do afago intelectual de todos vocês.

Discuto Deus não por Deus, mas, pela facilidade de estar fora do eixo cristão. Casto e cool! O moço descolado que, saca do contemporâneo e do clássico com a mesma facilidade que um chileno transita entre a marraqueta e a allulla (pressupondo que seja fácil distingui-las!).

O lado de cá e de lá que Neruda tanto afirmava em suas poesias (minha mais solene mentira, mas, já que, em terras Nerudenses, minha mais honesta verdade discursiva, assumindo que, entendo picas de Neruda, mesmo que introduzindo-o divertidamente à parentesal confissão!).

A arte da discussão está, exclusivamente, no talento para a argumentação. E tua razão, teus motivos e credo, é tudo coisa pequena, perto do álcool no sangue. A maré das coisas, portanto, é o álcool no sangue. Já estive no lado abstenho e, chacoalho-o: Beba às ocasiões!

A linha reta da sobriedade não salva! O céu e o inferno, os sorrisos e as lágrimas, estão todos na altura do teor fermentável (ou destilável) da dose, norteadores da vida viva. Discuto Deus porque detenho a vida e, detenho-a pelo álcool que me norteia, dentro dessas veias atéias.

Por isso meus argumentos são meros argumentos. Mas só até cinco, dez, quinze (ou mais) por cento de álcool dentro do organismo cru. Aí sou muito mais! Sou este que, sabido do nada dito, alimento-me disso. Pois, confiante do álcool, tenho em mim, a autoridade inabalálel do álcool.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Sete Bilhões de Histórias



Gosto de contos, que são pequenas histórias. Porque gosto de histórias pequenas, que são do tamanho da minha concentração e talento. Não sou de gastar tempo demais, porque não me inspiram mentiras grandes, só as expressas, que pairam mais no ar e imaginação que na boca.

Mas gosto tanto de uma boa mentira curta (na dimensão e não nas pernas) que ainda hei de compilar as minhas nalgumas páginas amarelas, rabiscadas exclusivamente por um estimado artista. E que não seja essa uma mentira a mais. Na dimensão ou, por Deus, nas pernas!

Mas hoje me veio uma súbita luz! E é hoje mesmo, esse quarto dia de maio do ano de dois mil e doze, e tudo o que eu queria hoje era a graça de mais de sete bilhões de histórias. Histórias pequenas e de todos vocês que, durante o mesmo instante me diriam o que estão a fazer.

No escritório, no trânsito, no banheiro, no açougue, na cama, no jardim de infância ou colo da mãe. De pronto, queria saber o que fazem vocês, os sete bilhões e tantos de seres humanos que transbordam esse pequenino planeta. As aflições, superações, frustrações e aspirações.

Mas não as grandes coisas (passíveis de mentiras). Só as espontâneas, o agora! Porque quero a poesia escondida na coisa nenhuma. No nariz que coça e no medo do escuro. Que passa na cabeça de um bebê, assustado e recém-expelido do ventre quente e seguro da mãe?

Que pensa um velho com seus noventa anos, esquecido numa clínica de repouso? Que conclusão tira um autista de uma briga de trânsito? Ou um órfão adolescente? Um pai de família desempregado. Um estuprador e um estripador. Um padre sexagenário. Uma princesa!

Me contem vocês, detentores disso tudo! De cada uma dessas respostas e todas as demais. Que fazes você que faz nada além de respirar? Nem mesmo os vegetalizados fazem nada além de respirar! E é isso que me interessa: Os pensamentos que não interessam a ninguém.

Porque você não é feito do que interessa aos outros. Essa é apenas sua arma de aceitação. Funcional e necessária! Mas sua essência (o aquém dos autos ou fora da foto) é o que me vislumbra verdadeiramente e carimba sua autenticidade. Aquela bobeira displicente, a vida.

Então me envie (por texto, voz ou telepatia) seu último segundo e o anterior. Genial ou trivial. Você cru e despido! Pois ando meio cansado de mim (ainda que em traje de gala) e, portanto, disposto a mais de sete bilhões de histórias, inúteis como eu, mas, tão menos mentirosas.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Um Bom Dia Para Morrer



É mais ou menos no momento em que ouvimos o clique do metal no ferrolho do cinto que pensamos: “Taí um bom dia para morrer!” – E não digo só pela minha estranha obsessão ao último capítulo da história (minha e sua), mas é que admitir a morte de bom grado aí, vai bem!

E precisamente por isso sou capaz de entender a fobia dos fobistas às aeronaves. Como não temer, feito gato escaldado, a clausura de um objeto capaz de carregar mais de duzentas pessoas, como se porcos na boleia, a uma altura que beira aquela tal celestialidade do fim?

Por isso imagino que, se já tão perto de Deus, o único meio de topar a aventura da decolagem, é aceitando que, pela impotência a qualquer solução MacGyveriana (caso algum erro), morrer é possibilidade real. Especialmente porque qualquer erro na aeronáutica tende à fatalidade.

Não que seja fácil errar, conheço os aeronautas e seus rigores, e sei que despencar das alturas depende quase que exclusivamente de dois fatores: Desleixo do piloto ou capricho de Deus. O resto, a ciência aeronáutica tratou de garantir ao longo dos anos, aprimorando papai Dumont.

Mas ainda assim (ou justamente por isso) minha tolerância aos cagões dos ares. Os entendo, meus caros! Mesmo que eu não tenha medo nenhum, os entendo. O alçar voo, o aterrissar, as turbulências, o banheiro de lata de sardinhas e até os terroristas! Me encanta a missa inteira!

Assim como me encanta viver, claro que sim! Mas gosto de voar, porque voando vou a lugares distantes. O bastante para me desconectar da rotina, mas também, em seguida, me colocar em abstinência para a volta. Gosto de estar em trânsito. Gosto de ir, tanto quanto voltar.

Gosto de pensar que morrerei dormindo, quando isso vier a acontecer. De preferência de velho e sem estar doente. Pretendo apenas esquecer de respirar na alta madrugada e nunca mais acordar. Mas se, na paz do voo alguma pane aérea, será sim, um bom dia para morrer.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Daqui a Quinze Anos


O mundo será menos justo comigo do que com você. Enquanto estiver na flor da juventude, estarei à beira da crise, entre a calvície e um conversível. Os dias passarão como anos para você e os anos como minutos para mim. É que o tempo, depois de um tempo, é implacável.

Mas não para você, que daqui a quinze anos estará debutando para a vida e gozando de toda a liberdade que ela oferece, sem quase nada das responsabilidades que ela embute no pacote (como concessão à felicidade absoluta). A vida inveja a felicidade às vezes, tome cuidado!

Não receie a felicidade nunca, sorria! Porque não custa nada. Daqui a quinze anos, olhe para trás e relembre seus sorrisos. Conte-os! Dobre a cota até os trinta. Quadriplique aos sessenta. E não deixe que lhe digam o contrário. Isso é coisa de quem sorriu pouco. Os derrotados!

Mantenha distância dos derrotados, são muitos. E não tenha milhares de amigos, porque ninguém tem milhares de amigos. Que sejam poucos e bons! Saiba lhes dar valor e atenção e não precisará oferecer mais nada. E terá tudo o que precisa de volta, na mesma intensidade.

Se envolva! Com pessoas, com lugares, com situações e com a vida! Ouça música boa. Qualquer uma. Descubra a sua, mas, se livre das enlatadas. Fazer música é difícil demais para perder tempo com as industrializadas. Leia muito! Os clássicos, os novos e os marginais.

Viaje, conheça outras línguas. Acredite na arte. Experimente coisas novas, lícitas e ilícitas. Tenha hobbys e vícios. Hobbys para vencer o ócio nos dias de chuva e nos momentos de introspecção. Vícios para ter o que enfrentar nos períodos de reclusão. E livre-se dos vícios.

Pratique esporte. Não só para o corpo, mas para a mente também. Mantenha o corpo em movimento que a mente acompanha. A essa altura, você já aprendeu que o mundo gira durante as vinte e quatro horas do dia e que ficar no lugar não é ficar, mas, recuar uns passos.

E só se vive uma vez. De corpo, alma e coração. Vão dizer que não é verdade e talvez você se convença. Paciência. Só não se esqueça de fazer valer a pena. Tudo. Cada vírgula da sua história precisa valer, porque, na eternidade da velhice: memórias, remorsos e invalidez.

Mas juventude antes da velhice, não inverta isso! Seja adolescente antes de amadurecer e tenha sido criança antes dos quinze anos. Não pule etapas e nem se envergonhe de nenhuma delas. São elas que formam seu caráter e te levam adiante na vida. As vírgulas da história.

Daqui a quinze anos, você terá mais informações acumuladas do que eu (bendita tecnologia), e esse texto provavelmente continuará valendo mais a mim do que a você. Já terei passado dos quarenta e não sei o que devo esperar. Por isso lá, se eu estiver perdido, você me ajuda?

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Falência Múltipla dos Órgãos


É o que eu quero que os médicos digam quando vierem notificar minha família. “Falência múltipla dos órgãos”. Mas deixo claro, desde já, que não anseio morrer e minha saúde vai bem, aliás. É que pelo inevitável que baterá à porta cedo ou tarde, eis meu capricho mórbido.

E não me encare com essas sobrancelhas prepotentes quando eu digo sobre a falência múltipla, pois você não ama a vida mais do que eu! Sei que te parece sombrio ou, ainda, derrotista, mas num instante te faço compreender a morte mais encantadora que há.

Aquela que nos arrebata tão unânime que covardia acaba sendo lutar contra. A mesma que divide a culpa com todos os fatores internos e externos (do corpo e da vida) e minimiza o vilão, o diluindo no organismo, por todos os lados, não permitindo que se aponte a uma direção.

Pois é exatamente quando penso em falência múltipla que tenho a certeza mais absoluta que a hora chegou. Você não? A mim apenas uma certeza serena. Não como a morte teimosa de um dos órgãos se rebelando com o resto do corpo, exigindo, adolescente, toda a atenção para si.

Nem quando um carro te arrebata distraído na rua, ou, quando o fogo te derrete a pele, os músculos e te encerra a vida antes de atingir os órgãos. Ou ainda, e mais angustiante, no sufocamento dilacerante da água salobra (e infestada de tubarões) invadindo os pulmões.

Mas é na falência múltipla que o corpo chega a um consenso extremamente democrático sobre o fim. Do jogo, da vida. É o resultado fulminante da conferência dos órgãos dizendo: Não dá mais! E todos juntos, como se derrubassem o disjuntor, cessam o trabalho à aposentadoria.

Portanto não anseio da Morte o desafio à ultima partida de xadrez, mas, já que ela acenará soturna, qualquer dia a partir de hoje, que me leve irreversível, para que não me arrependa de ceder, e para que possa admitir a derrota nalgum lugar mais calmo, bem longe do meu corpo.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Os Amores Imaginários de Xavier Dolan


Depois de uma fracassada tentativa de escrever sobre dez filmes em uma mesma crítica, volto bem menos pretencioso, e apoiado na facilidade em dissertar sobre “Amores Imaginários”, de Xavier Dolan. Um filme fantástico, e chego lá, mas Xavier, um menino, simplesmente gênio!

Quando me comprometi ao filme de hoje, para tirar o atraso das telonas, apenas acessei a página do cinema e escolhi qualquer filme estrangeiro que pudesse me surpreender. Para diminuir os riscos, vi o trailer e, como sempre, me vendi ao prelúdio de um minuto e meio.

Mas ainda não sabia se tratar de Xavier, nem o reconheci no trailer. Embora já o conhecesse de “Eu Matei a Minha Mãe”, filme de 2009. E de quando o tal menino (diretor e protagonista) tinha vinte aninhos. Na época um algo me chamou muito a atenção na condução do filme.

A forma diferente e clíptica de enquadrar as cenas. O cenário, de modo geral, é muito intenso, em cores, figurino, objetos e toda a composição. Em “Amores Imaginários”, filmado um ano depois, o conceito se concretiza. Xavier consegue reinventar a forma sem mudar as regras.

Seus filmes em si não são diferentes do que já vimos mais de uma vez, nas lentes dos grandes e pequenos da sétima arte. Mas a sutileza com que ele consegue impor um novo olhar, decididamente mais moderno, restabelece a paz ao instável futuro cinematográfico.

Por isso exalto Xavier Dolan a mártir de uma geração de cineastas que ainda estão por vir. Aos vinte e dois anos já dirigiu três filmes “(Laurence Anyways” aparentemente está por vir) e em pelo menos dois, garantiu-se três degraus acima da média produzida por aí ultimamente.

Obviamente não se trata de uma nova ordem de filmes, mas Xavier encabeça uma das mil e uma vertentes que o cinema oferece. Pela brilhante sensibilidade de enquadramento, pela precisa sobreposição da trilha sonora (mérito dele por dedução minha) e ainda mais.

Pela delicadeza em tratar a sexualidade com a simplicidade natural do homem. Homo ou hetero. Sem a pretensa rebeldia do homo ou a exacerbada vulgaridade do hetero. Sexo como é: Desengonçado, sensual, inseguro, selvagem, doce e humano. Simplesmente humano, afinal.

Dolan não defende sua sexualidade nos filmes, mas a sexualidade nos filmes. E cores. E referências pop e dinamismo. Sim, há um dinamismo em seu roteiro, claro e meticuloso. Textos fortes, ácidos. As cenas se fundem em áudio e vídeo, invadindo-se deliberadamente.

Mas ah, “Amores Imaginários”! Como forma de redenção e sem nenhuma pretensão... Creio que tarde demais! De qualquer forma, o filme é apenas uma obra impecável, indispensável aos que respeitam novas formas de reinventar o conhecido. E nada mais que isso!

sexta-feira, 6 de abril de 2012

O Lugar do Passado



É agora! Sem cerimonias, afirmo, com todas as letras, que o lugar do passado é o presente. E digo, ainda, com toda a plenitude alcoólica que, temos no presente muito pouco do presente e quase nenhum futuro. Além do passado. Que nos constrói, molda e apresenta.

Sou exclusivamente o que fui. E só! O que sou hoje é tão volátil que só se tornará sólido quando eu deixar de ser e quando, afirmadamente, puder ter certeza de que, não sendo mais isso, fui, algum dia. Essa é a magia do ser. De ser. Estou quem sou hoje porque tenho passado.

E vou além, antes de chegar onde quero chegar com esse pequeno devaneio. E por isso encerro a metalinguagem e qualquer subtendimento, reconfirmando a noção de que o ser humano não é, está! Porque ser qualquer coisa é pequeno demais para a imensidão humana.

Por isso estou! Onde quer que eu esteja nesse momento da vida, apenas estou. Não sou capaz de ser. Porque ser é etéreo demais para o ser. O ser é maior e migra. Transforma-se. Muta. Evolui a cada grão de conhecimento acumulado. E é bom entender o mundo que nos cerca.

Agora chego onde quero chegar. “E.T”! Estou assistindo à pérola de Steven Spielberg nesse exato momento. Repito: NESSE EXATO MOMENTO! – E pela vigésima vez, mas, também, pela primeira vez em quinze anos. E quer saber? Mil coisas me passam pela cabeça agora.

E agora é o presente. E no presente, lembro-me pouco do passado. Lembro-me nada que Elliot tinha um irmão mais velho. Confesso, inclusive, que sequer lembrava que Elliot chamava-se Elliot. Lembrava-me apenas de Drew Barrimore. E hoje, Drew é uma criança, perto de mim.

Mas recordo, com absoluta memória infantil, que “E.T” me transformou. Spielberg (gênio sepultado) está em mim, lá dentro. Não me lembrava de como Elliot ganhava a confiança do pequeno alien, nem de Erika Eleniak. Mas, minha doçura nasceu ali. Além da Terra da Magia.

Que não vem ao caso. O voo da bicicleta e a lua. Inesquecível. Nesse exato momento na tela, e renascido em mim. Gosto do passado, de entender o presente. Gosto de lembrar de quando a vida era tão parnasiana que entediava. De quando “E.T” ocupava meus neurônios virgens.

Hoje é memória, e por isso, quem sou. Não estou mais “E.T”, hoje sou “E.T”! Convicto, limpo, livre, feliz. Irrecuperável porque, “E.T” e mil coisas mais. A infância passa e a inocência vai embora com ela. A fantasia, você bem sabe, passa. Spielberg, se você cresce, passa junto.

Mas se você, trinta anos nas costas, não chorou pelo crisântemo murcho, tem, na verdade, poucos motivos para chorar hoje. Dane-se se já se foram seus avós, seus pais ou seu cachorro. Lágrimas florais são imprescindíveis! Por isso, empurro a gota guardada em mim para fora.

In Memoriam!

quarta-feira, 28 de março de 2012

O Rei


Apodera-se do trono que, de fato lhe pertence e, sem cerimonias, reina sob o assento feito rei. Com classe e estilo espalha-se pelos domínios reais e põem-se a imbuir seus anseios humanos dissimulando, discretamente, os anseios reais que o implicam monarca, no trono da realeza.

Reflete mudo sobre a força da própria voz. E a potência do dedo, sob o horizonte. Pensa no medo que sobrancelha franzida causa aos que as contemplam onduladas, acima dos olhos. O homem mais poderoso do mundo, fortalecido pelo trono uno que lhe define mais que a vida.

E nada o deixa mais onipotente que esse momento de liderança. O trono. É quando tem o mundo aos pés. Muito além das decisões arbitrárias dos que decidem rudemente, acima das vontades do verdadeiro governante. No trono, o mundo dança sua música cafona e precisa.

E como tem carisma o rei. Perspicaz nas sutilezas das necessidades plebeias e meticuloso nas reuniões que pautam a expansão do reinado. O rei não erra, e suas decisões definem com justiça o progresso do mundo que, no mundo dele, se não o reconhece soberano, desaba.

O tempo passa e, enquanto sentado, o valor do trono corrompe seu orifício como se toda a autoridade pretendida o deixasse, fugaz, rumo ao desconhecido. Liberta-se, então, do corpo num grosseiro fragmento de segundo e vai, por água abaixo, extinguindo o seu poder real.

Aí, toda a dedicação ao mundo dos outros se vai. Despejada na saliência viscosa que, prestes a se despedir, boia inerte, distanciando-o de seus devaneios reais. Todo aquele mundo fantástico, idolátrico, vai embora flutuante e compacto, na massa fadada ao esgoto.

Então, finalmente desconectado da sua catarse, despede-se do mundo onde é rei e volta à simples realidade plebeia. Onde depende dos iguais e responde, subordinado, às autoridades. Aciona o botão aflitivamente ruidoso que transporta seu mundo mágico pelo ralo e chora...

segunda-feira, 19 de março de 2012

A Vida dos Outros e Seus Problemas



Não existem vidas melhores ou piores, exceto, é claro, as que ESTÃO melhores ou piores que as demais. De modo geral, as vidas são apenas diferentes. E, vez por outra, pelos mesmos motivos. Aqui, ali e em qualquer lugar do mundo. Mais de sete bilhões de histórias diferentes.

Mas para cá, algumas poucas delas, que apenas justifiquem minhas afirmações óbvias. Afinal, não tenho vocabulário para tanto, e nem disposição. Vejo tudo muito de longe e, mesmo as conclusões que tiro dessas vidas são hipotéticas, como tudo na própria vida que não a morte.

Penso nos homens da cidade (homens e mulheres), ocupados das coisas pequenas, com tudo ao alcance, na conveniência vinte e quatro horas. E nos homens do campo, ocupados de si, vivendo a própria subsistência todos os dias da vida, como se uma grande perda de tempo.

Depois penso nos homens de outra cidade, vivendo da mesma forma globalizada e cosmopolita, mas, de um jeito completamente diferente em hábitos, esquinas e interação. São outras pessoas, noutro círculo de pessoas, e cada uma torna tudo absolutamente diferente.

Aí os homens do campo do além-cercado. De depois da fronteira e do lado de lá do oceano. Presos às mesmas regras milenares de arado, plantio, colheita e consumo. Mas cada um, à sua maneira de semear o solo faz da vida algo belo e lírico, um algo que é pessoal e intransferível.

Mesmo que igual a todos os outros lavradores, de todo o campo, em todo o mundo. Mesmo que os mesmos executivos, das mesmas companhias e com as mesmas gravatas. A vida dos outros é única como são os flocos de neve, as impressões digitais e as primaveras.

Com a diferença de, nas primaveras, as possibilidades se renovar a cada ciclo translacional. Enquanto que na vida, cruel, elas geralmente não se renovam, em percalços ou oportunidades. Assim, são como o voo dos flocos de neve, que se amontoam desfalecidos e derretem no solo.

Por isso as vidas apenas diferentes, nem melhores ou piores. Cada um com os seus problemas, do tamanho que o corpo aguenta. E nenhum que se institua universal nem ninguém no universo que não tenha problemas. Isso é da nossa rotina, como são as sementes e a gravata.

A particularidade do ser está em assumir seus problemas, mesmo antes de enfrenta-los e mesmo sem solucioná-los. Problemas? Problema seu... Não por displicência ou negação, mas, pela incompetência minha em acata-los, admitindo no coração a dor de outra vida que não a minha. 

terça-feira, 13 de março de 2012

Eterna Retratação


Eu não tinha nem cinco anos quando disse o que disse. A mais abominável frase que já saiu (e que jamais tornará a sair) da minha boca nessa vida. Apenas uma inocente tentativa de fuga infantil (em todos os aspectos), que resultou nessa inalcançável súplica por redenção.

É que não há perdão, e digam o que disserem. Nem se oficialmente perdoado pelo próprio, talvez até jazido, hoje em dia. É essa herança estúpida e invencível que carregamos desde o instante do nascimento, mais preso no corpo que a própria maçã do Éden. Como um câncer.

Na ocasião do fatídico dia, eu dissimulava o tédio de acompanhar meu pai em seus eventos sociais de adulto e, enquanto toda aquela gente grande se ria e se exaltava na roda de cerveja, eu corria entre caixas e me escondia de mim mesmo, feliz, sem nenhuma outra preocupação.

A sintonia entre os compromissos (dele, de velhos amigos e meu, de auto-entretenimento), funcionou bem até que me esgotasse a criatividade (ou o fôlego, pouco importa). Decidi então, descansar o corpo, recostando carinhosamente a cabeça no colo acolhedor do meu pai.

Nesse momento, a roda havia se dispersado e apenas um homem dialogava com ele. Um homem mais velho. Pareciam conversar sobre algo sério e franco. O tom era baixo e respeitoso. Mas eu não entendia muito da coisa e apenas encostei a cabeça em silêncio.

Percebendo minha presença e, provavelmente querendo gabar-se (coruja) de uma parcela de sua prole, meu pai ergueu-me com zelo pelo ombro e sugeriu que eu cumprimentasse seu amigo. Não era tarefa difícil dizer “oi”, mas, naquele momento, eu preferia o silêncio.

E poderia ter dito simplesmente “oi”, voltando a curtir minha preguiça logo. Mas optei pelo frio e categórico “Não!”. E até aí tudo bem, direito meu. Quando indagado, bastaria dizer: “Não quero”; “Tenho sono”; “Estou com preguiça” ou, “Sou só um menino. Tenho vergonha”.

Mas uma resposta me veio à cabeça muito antes de qualquer uma dessas. Algo que, naquele infeliz momento, pareceu muito mais óbvio e fácil de se compreender. Porque dizer que tinha preguiça para o “oi” forçaria uma insistência e eu acabaria cedendo, contra a própria vontade.

“Porque ele é preto!”, foi exatamente o que eu disse. É claro que eu não sabia o que isso significava, mas já entendia que essa distância racial estava acima de qualquer discussão e, dizer essa atrocidade encerraria a conversa ali mesmo. Como, praticamente, aconteceu.

Meu pai, desconcertado, tentava desculpar-se enquanto me perguntava de onde eu tinha tirado uma besteira como aquela. Respondi com os ombros, sinceramente. O velho senhor procurou ignorar minha idiotice, reconhecendo o costume com que lidava com essas atitudes.

Em poucos instantes, se recompunham num outro assunto e nalgum instante mais, estávamos no carro, meu pai e eu, voltando para casa. Nunca vou esquecer a expressão decepcionada dele. Comigo mas, principalmente com ele, tentando encontrar uma culpa que não lhe cabia.

Porque quem havia me ensinado a ser um pequeno imbecil tinha sido a própria sociedade. A dele, a minha e a de todos nós. E talvez venham me dizer, superficialmente, que foi necessário enfrentar minha educação global dessa forma, para contrair o asco ao racismo e aos racistas.

Pois eu digo que agir como eu agi, apenas uma vez, fez de mim um deles, irreversivelmente. Ainda que uma só vez e mesmo que criança. Mas até o fim da minha vida, carregarei a culpa de ter sido um cretino racista. Vazio e podre. Maculado.

E minhas desculpas (que me desculpe aquele senhor negro do passado), ofereço à sociedade, vítima e ré até as entranhas, de todas as mazelas do mundo. Pelas coisas todas que nos empequenecem, mas, mais que todas as outras, pela inexplicabilidade ridícula do racismo.



domingo, 11 de março de 2012

Perdi a Mão



Perdi a mão. Esgotei de vez aquelas boas ideias rasas e agora nem mais o velho Buk parece capaz de me chacoalhar da pasmaceira. É esse maldito equilíbrio!  Não me lembro de ter requerido estabilidade emocional! Tentei resistir à inércia, mas, preguiça e bocejo, cá estou eu.

Sofá amassado, chá quente e controle remoto. Barriga mental esticando o elástico do crânio. Amoleço entre ressacas e flatulências. Me falta o estímulo, isso sim! E não conheço melhor incentivo que a desordem. Não sou de caçar queixas, mas, onde diabos elas foram parar?

Será que era isso? Só isso? Estar em paz e missão cumprida? É que me confunde essa paz que aquieta o pensar. Efeito avesso! Imaginava um sono profundo quando a paz me encontrasse, mas vem logo a insônia e mostra que paz é para os fracos e sono tranquilo é coisa de criança.

E quero dormir tranquilo sim, mas carregando todos os problemas que me comicham a alma pela impotência, pela incompetência e pela preguiça. Meu alimento! Mas despertar no alto da madrugada, sem sono e oco, é a tormenta que não quero. Como beber para dormir, tão fraco.

Aí eu tento me importar com mazelas que nunca me despertaram a atenção. Mas soa tão falso que logo desanimo. Tento restabelecer princípios antigos e é mais falso e estúpido, ao mesmo tempo. Já tinha desistido deles, não? Me arrisco à fé de hoje e acabo na TV, zumbi cibernético.

Isso porque perdi a mão. E o rumo, que ficou pelo caminho. Não para sempre, mas, tempo indeterminado. Não tenho manilhas ou cartas na manga. Se estou no jogo, é pela possibilidade do blefe. Inseguro de mim, confiante no maço e esperançoso do Straight, na próxima rodada.

domingo, 4 de março de 2012

Deus?


Quanto mais me aproximo da religião, mais me afasto de Deus. E cada vez mais, de uma forma menos reversível. É que quando os homens falam (e não me importa se latim, hebraico, árabe ou sânscrito), o fazem por conta, na interpretação autoritária e na manipulação das palavras.

Subvertendo maquiavelicamente a simplicidade poética das sugestões de conduta moral, impressas nos seus sagrados manuais sociais. Pois, toda a austeridade versícular ali descrita, não cabe na nossa sociedade, com a contemporânea revolução de equilíbrio dos direitos.

E os homens (coisa que digo com conhecimento de causa), são inexoravelmente corruptos! Na moral, na ética e na podridão do fígado e dos pulmões. Defendem interesses muito mais particulares que a dimensão do Deus regente. O qual, por acaso e supostamente, defendem.

Somos nós, aliás, grandes e particulares demais, hoje em dia. Para os dogmas milenares do Torá, do Alcorão, da Bíblia e do Manifesto Comunista também. Culpa dessa satânica sociedade da informação, que nos convenceu que todos os livros sagrados têm lá suas luzes e trevas.

E simplesmente pela obviedade de nada estar tão certo ou errado que mereça o céu ou o inferno. Mas, pelo orgulho imbecil do estandarte a uma bandeira divina, nos obrigamos a negar tudo o que não for do “Deus meu”. Como se uma escola de samba ou time de futebol.

É o tal do fanatismo... Tão baixo e acéfalo que, deveria soar pejorativo da boca para fora. Como “cretino” ou “estúpido”, seus primos mais próximos, na classe dos adjetivos. Mas há que se galanteie e se melindre com a infeliz atribuição. Pobre tapado...

Pois, o que tento dizer, entre todos os meus rodeios, é que fanatismo (segredo nenhum) é estupidez em qualquer lugar: No céu, nos estádios, nos escritórios e no showbizz. É a mais impermeável intransigência na qual o homem, pequeno na alma, pode se submeter.

E Deus, me convenceram (com seus méritos, mas), ainda antes de eu me auto desconvencer da causa, é estado de espírito, mais que sobreposição à crença alheia. Deus é pacificação no caos, e só! E o que mais? É como paladar ou atração sexual e intelectual. Quem questiona?

Cada um com a sua. Cada um com Deus. Seu Deus! À sua maneira e no seu íntimo. E para o magistrado, a responsabilidade de organizar a sociedade, tão mutante a cada geração. Afinal, Deus não pune, apazigua. Não como um abraço de mãe, mas como fadas, gnomos e álcool.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Hollywood em Nove



É noite de Oscar e eu mantenho minha mais consistente característica: Deixar para a última hora tudo aquilo que eu posso deixar para a última hora. Nesse caso, a resenha sobre os filmes indicados à premiação americana do cinema. Todos eles, melhores filmes, pretensos.

Já é tarde da noite e acabo de voltar do cinema onde assisti as duas obras que faltavam. Quais não importa. Aliás, não me encanta a ideia de pontuar um melhor filme dentre os mais de mil produzidos no ano, mas, vou brincar disso, com toda a minha pretensão cinéfila-amadora.

Então, começo de trás para frente, com o pior deles, porque assim gera alguma expectativa (quiçá positiva) à arrogância do meu texto. Steven Spielberg, o grande mago de outrora deu um tiro na água (que ricocheteou numa pedra e acertou o próprio pé) em Cavalo de Guerra.

O filme é insosso e fraco. Não desenvolve ou convence, com seus clichês românticos e fotografia artificial. As cenas de guerra parecem um balé bêbado e as atuações pecam. Difícil aceitar que o Spielberg em pessoa assinou aquilo, sem ter perdido uma aposta no pôquer.

Todos os próximos quatro filmes, são superiores ao pangaré do Spielberg mas equivalentes e médios. O Homem que Mudou o Jogo é a América que Hollywood cospe! Risco, superação, honra, vitória e uma bandeira americana. Filme-pipoca, bom para domingo e segunda a noite!

Os Descendentes dá uma perspectiva diferente sobre o povo havaiano e isso me agradou bastante no início, mas deixando isso de lado, o drama familiar que norteia o filme poderia ter sido narrado de qualquer lugar do planeta! Méritos indiscutíveis à trilha, precisa e delicada.

Então uma mistura arrebatadora nasce para ser o possível grande clichê oscarítico da noite: 11 de setembro e Tom Hanks! Tão Forte e Tão Perto podia ser isso, mas, Stephen Daldry decidiu algo mais sutil, focando o garoto que, contra todos, afirmo petulante que sustentou o papel!

E tais quais os dois indicados anteriores (e também o próximo), a obra de Daldry é simplista demais em sua narrativa e permite que os clichês determinem o desenrolar da história. Como em Vidas Cruzadas que, entretanto, é a única boa surpresa entre os médios.

Eu poderia entrar nos detalhes do filme, mas, vou ser eu mesmo e fazer tudo errado, dizendo da brilhantíssima atuação de Viola Davis, uma empregada doméstica negra, no Mississipi dos anos 60. O enredo é descarado no que diz respeito às relações entre o bem e o mal, mas vale.

E agora, finalmente, os quatro principais filmes, que não me desapontariam, caso ganhem (é sério, eu choro nessas coisas). Em primeiro lugar (ou quarto, fiquei confuso) coloco O Artista, que tem a ousadia de montar um filme mudo sobre o início do cinema falado em Hollywood.

Mas por perder duas ou três oportunidades de ser realmente inovador (frustrações minhas, sobre o que eu preferia que tivesse acontecido entre uma cena e outra), deixo-o fora do meu pódio sem gabarito e particular. Apesar de, possivelmente, levar o troféu no fim da noite.

A Invenção de Hugo Cabret, do Scorsese é meu tipo de filme! Doce, fantástico (substantivo, não adjetivo), inspirador e sensível. Seria meu voto, confiante, especialmente pelo Papa Georges (o pai da coisa, não Ben Kingsley), não fossem os outros dois filmes.

Meia Noite em Paris, o roteiro mais divertido e saboroso que pude ver exposto na telona (embora confesso a culpa da telinha), nos últimos tempos, me divertiu e surpreendeu em cada cena e cada reviravolta. Aliás, a cada novo filme, me culpo pelo respeito tardio (há tempo) a Woody Allen.

E por último, mas, em primeiro (é realmente confuso inverter a ordem das coisas!), reverencio A Árvore da Vida. O filme que me ferveu o sangue e toda a água do corpo durante as duas horas mais sinestésicas do cinema americano, ano passado.

Quando assisti àquela desconstrução de roteiro e aquelas imagens avulsas preenchidas por um texto emblemático e lírico, percebi que tratava-se da maior ruptura estilística da grande indústria cinematográfica do mundo! E admirei a indicação, mas não creio que venha a vencer.

E é fácil dizer a razão: Não tem o perfil da academia, sempre tão previsível. Mas também, principalmente, porque apenas eu e a família Malick acreditamos nessa possibilidade. Que, com esperança, tendo a mesma indiferença a respeito do resultado na manhã de amanhã.

Mas, acima disso e da besteira de determinar melhores e piores de qualquer coisa, é bom que o cinema continue aí, produzindo, provocando, inspirando. Fazendo rir e chorar. Mexendo conosco tão intimamente, mesmo tão distante. Arte, quem define? Mesmo em hollywood.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Personalidade Icônica (ou o Avesso)

                                                                                 Arte: Enoc Jr.


É bem num certo momento (foi ele quem disse) que tudo muda. No mundo, na vida, no tudo. Quero dizer que, sou do sol (embora na mesma luta de sempre, circular e lenta da antimesmice) e rabugento, mas dou o braço a torcer aos bons filósofos do cotidiano. Tão poucos e puros.

Mas só dou esse braço a torcer quando há a sutileza e a simplicidade da afirmação amena, sem a prepotência da sabedoria unilateral, e nem a arrogância habitual da doutrina de mesa de bar (as vezes, inclusive, pecado meu). Por isso que, quando ele fala, confesso, escuto!

Porque há nele, indubitavelmente, mais cavalheirismo e delicadeza em ouvir a contraposição do oponente debático, que embutir no grosso do intestino uma verdade duvidosa e crua, mau formada e mau consolidada. Pois, afinal, somos todos aprendizes das tais verdades da vida.

E todas elas, digo, TODAS essas verdades, padecem flácidas do absolutismo (literal e apolítico), incrustradas em nós, em nosso meio, como leis sacras e incontestáveis. E aí vem os contestadores, pretensos heróis do dedo em riste. Tão amadores que repilo! Baderneiros...

Porque contestação com dedo em riste nada mais é que alienação da opinião oposta (pecado meu, as vezes, volto a dizer!). E pecado de todos, não fosse a doce exceção à regra. Aliás, pauso para refletir sobre meu sorriso à definição involuntária e precisa do objeto em questão:

“Exceção à regra” – E nenhuma outra coisa que não isso! Não, melhor ainda, todas as outras coisas que não isso: A regra. Porque sua contestação é toda sua, individual e autêntica. A cultura da contracultura. Aquela tal libertação da máquina cultural do “isso e aquilo”.

Seu envolvimento visceral com o ser humano. A expectativa e a disposição em acreditar no delicado modelo da interação inocente. “Será que chove?” – A liberdade criativa de saber (ao menos) o mínimo do todo, para garantir qualquer chance de engrandecimento intelectual.

E sua frágil formação não compete com a poderosa articulação das palavras. Ou com a aguçada reflexão sobre as coisas mais inreflexíveis. Sobre a chuva, por exemplo, e seu poder sob o céu e o sol (rei de mim), tão universal e coadjuvante da chuva, toda mínima e terráquea.

Por isso que, no meio do alto verão e do calor que me agita, admito uma mórbida admiração à chuva. Às gotas potentes e sensuais, capazes de nos subverter na origem das verdades e nos transformar em seres metamórficos. Dispostos ao bem, mas, melindrosos, à espreita do mal.