sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O Escolhido




Enquanto ele prematuro, inseguro e flácido. Ela sólida, fria e irrefutável. E também ela, a outra ela, paralela, na combinação exata dos dois: Frágil e sólida, decidida e insegura. Aberta àquilo como se nada mais importasse. E, de certa forma, nada mais importará. Porque o terá para si.

Mas não sem antes não tê-lo. Nem nos braços, nem no berço. Só em pensamento. Ele, que ainda sem rosto, corpo ou personalidade, se lambuzará em vida da sorte que os irmãos e irmãs jamais compartilharão. E então, saciado, aplicará o mais astuto e improvável golpe no destino.

O chão seco e árido do sertão logo será soterrado na memória em uma avalanche de oportunidades antes inimagináveis. Estudo, educação, carinho e amor. Sim, o mais autêntico e altruísta sentimento que se pode existir. Sem regras, nem protocolos. Sem interesses escusos.

Deixará para trás a sina retirante prevista em lei (pelos homens e por Deus) e, sem que tenha qualquer poder de intervenção, se dará cosmopolita, bilíngue, abençoado e único. Único para ela que, única para ele. Bem mais que biológica, legal. E, pela justa legalidade, autêntica.

O compromisso cartorial (burocrático, lento e angustiante) provocará uma fecundação desconfortável e, nas vésperas do encontro, contrações mais intensas do que a bolsa rompida na iminência das quarenta semanas. Por uma gestação que ultrapassou cinco anos de espera.

E, como nas boas histórias não há cegonha, ele não aterrissará no colo carente. Maomé não vai à montanha, mas, a montanha sim. Entre duas extremidades de um mesmo território, um mundo de distância e lá está ela, como uma alta montanha de cartas de baralho. Firme e frágil.

Se sentem pela primeira vez e se envolvem num laço eterno de amor indissolúvel. Porque verdadeiro. Escolhido. Ela sabe que só poderia ser ele. Ele, ainda cru, eventualmente descobrirá. E dá as costas ao passado que não lhe pertence mais. E ela, a primeira, se dissipa.

Um é propriedade do outro agora. Co-dependentes. Uma vida inteira de descobertas e satisfações. O brilho nos olhos dela. O talento para o encanto que ele emana pela própria natureza pura. Muito além do útero. Muito mais que a simples hereditariedade. Um gesto.

Imbatível até que se conteste essa ingênua plenitude, projetada e fortalecida pelos anos. Aí, bilhões de hormônios dirão a ele que não precisa dela, que cada orquestra se rege com uma única batuta. Auto. Aceitarão, juntos, essa condição. E dissimularão, também juntos, a aflição.

Afastam-se sutilmente e admitem, pela primeira vez e para si, os protocolos da relação. Como se obrigados e admitir desaforos e intolerâncias que inexistiam naquela fortaleza. Aí tomam rumos paralelos, mas, não distantes que deixem de se encontrar à altura dos braços. Logo ali.

E apenas até descobrirem, simultaneamente, que não há sismo que abale o amor legítimo. Quiseram se amar desde o início porque se aceitaram. E, por consequência dessa escolha, se entregam ao abraço mais apertado e singelo que podem oferecer. A legitimidade familiar.

E finalmente confirmam, mutuamente e em silêncio, sob a irrelevância das diferenças biológicas, que o amor não tem ventre, preço, tamanho ou consanguinidade. E que o amor deles, como todos os outros, é nada mais que uma simples questão de escolha.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Um Dia Você se Dá Conta de que Eles Cresceram e Nada Mais Será Como Antes



Pois é, e logo vai acontecer de novo. Um dia terei de enfrentar essa constatação outra vez e, muito provavelmente numa causa mais nobre e íntima. Mesmo assim, a relação familiar, de encanto paternal e absoluto, que dediquei a esses “meninos”, é algo que... Findou-se, então.

Estive, depois de muita, mas muita expectativa, na Arena Anhembi, no último dia vinte e um de setembro, para prestigiar pela terceira vez, aquela que é a melhor banda de todos os tempos (no que posso medir). Não filhos meus, mas, em sentimento, a mesma clareza de afeto.

Explico: Conheci-os aos dez anos, enquanto debutavam no showbizz, enfiando em meus tímpanos seus primeiros sucessos mundiais (Give it Away e Under the Bridge). O rock era novo em mim. Suas doidices audiovisuais e a postura enérgica ferviam meu sangue pré-adolescente.

Era a abertura para o estilo que trilhou as fases mais marcantes da minha vida. E eles eram os responsáveis. E o vórtice musical que se abriu diante de mim depois deles! Acompanhei com a distância inocente e dispersa da infância a evolução deles e, no próximo álbum eu estava lá.

A essa altura eu já era tão fã quanto qualquer outro e compartilhei das mesmas impressões que todos eles, ao mesmo tempo, quando comprei aquele álbum vermelho, de capa perturbadoramente meiga na semana do lançamento. Foi meu primeiro álbum, meu xodó.

Alguns meses depois, fundido ao CD como uma espécie de walkman literal, me orgulhava ser reconhecido na rua pela devoção. Na extinta e saudosa CD-Way, bastava eu entrar para que o simpático proprietário me introduzisse às novidades musicais e souvinéricas da banda. Eu!

Acabei crescendo e as necessidades foram se modificando e se preenchendo. Eu, agora, também me interessava por filmes, garotas, futebol e já ensaiava uma vida noturna (também conhecida como matinê). Mesmo assim havia espaço de sobra em meu santuário sociocultural.

No álbum a seguir, predominantemente azul, a popularidade da banda atingiu níveis pópicos e, pela primeira vez eu precisei justificar meu apreço Caxias. “Isso não é rock, os caras se venderam!” – Me diziam. “Vão vocês à merda!” – Era minha resposta, embasada e clara.

Em 2001, caiu do céu a informação que eles encerrariam o maior festival de rock desse país. Frase polêmica, entretanto, lá estavam eles no último dia do Rock in Rio e lá estavam eu, desde o meio dia em pé, só para vê-los de perto, pela primeira vez na vida. E também me veriam!

O evento divertidíssimo teve muitos altos e baixos. Uma infinidade de bandas, boas e ruins, e me rendeu boas e inesquecíveis memórias. Mas o show, aquele que deveria ter sido o show da minha vida, acabou uma apresentação apática e curta, quase dispensável, não fossem deuses.

Veio um novo disco e, novamente as críticas ao estilo cada vez mais subvertido ao pop. Foi nessa época que eu comecei a entender o que eu sentia por eles. Essa sensação paternal que é tão nítida para mim hoje. Os discos realmente não melhoravam, mas, tampouco pioravam.

O que acontecia era uma evolução natural. Inevitável. Como acontece com todos os filhos, que deixam a beleza pueril e maravilhosa da infância para se tornarem adolescentes problemáticos e histéricos. Amor de pai, dos pais, consegue tolerar com o mesmo carinho, esse martírio.

Um novo show me convidou, um ano e meio depois, a reencontra-los em São Paulo. O comportamento foi outro, como se minha agonia e ansiedade em uma apresentação digna de quem eles eram para mim. E, salvo todos os percalços, o melhor show da minha vida até ali!

Agora nada mais tinha que ser provado, nosso pacto estava concretizado. Enfim toda minha entrega havia sido recompensada. Depois, nossa relação atingiu uma fase estável, de confiança e cumplicidade. Eu não precisava ser surpreendido e eles quase não ousavam. Palco ou discos.

A última surpresa que tive veio na semana passada, no show. Aliás, desde aquele show de São Paulo, dois discos surgiram, um deles há poucas semanas. Nada de novo, embora nada daquilo que me encantou há dezoito anos. O som, por fim, acabou me fazendo entender e aceitar algo.

Mas, para explicar, volto ainda mais no tempo. Quando os conheci, já havia dez anos de banda e muita história boa. Muita música (ainda melhor) em três discos ousados e primorosos. Muito funk, psicodelia, energia, amor e Rock’n Roll. Nunca pretendi aquela fase para mim, e não era.

Meu momento com eles veio do encantamento de 1993 em diante. O resto foi só uma boa surpresa, descoberta pelo caminho. Como saber que o filho, ainda no ventre, é um pequeno gênio em seja lá o que for! Portanto, considerando uma banda com minha idade, só uma coisa:

Eu cheguei no meio do caminho e a história dos Chili Peppers, até agora, é dividida em três momentos: Primeira Fase, Período Clássico e Contemporâneo. Sou feliz de tê-los conhecido no Período Clássico, o mais bem sucedido deles. Mas hoje não pertenço mais a isso, ao futuro.

Por uma série de fatores sociais, naturais e temporais. Mas ter estado no último show. Mais do que a experiência introspectiva da solitariedade, percebi a quantidade de jovens que não tinham ouvidos enquanto eu já ouvia Blood Sugar Sex Magik. O momento, agora, é todo deles.

E não há turbulência. Ou crise. Só o que posso, é aceitar que os filhos crescem e não precisam mais da gente. Estão bem encaminhados na vida e têm, analogicamente, uma nova família para cuidar. O amor aqui continuará o mesmo, incondicional, mas, avô, na cadeira de balanço.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Somos Todos Loucos


No fim do ano, gostava de meter-se nessa cabana, no Bosque das Corujas, onde ninguém mais ousava penetrar, e passava de duas a quatro semanas isolado do mundo. E dos vivos. Gostava, afinal, de provocar os limites da sanidade. Sanidade que, aliás, era um desafio à família Lupe.

O pai morrera atirando-se de um elástico à lua; a mãe ouvia os conselhos de uma rã empalhada; o irmão julgava-se invisível e; muitos parentes flertavam com a loucura de mil formas diferentes. Manoel esgotava sua sanidade a fim de treiná-la. Por isso a cabana funesta.

Seu passatempo preferido, lá no fim do mundo, era dialogar com os clássicos de Poe, Quiroga, Guy de Maupassant e os irmãos Grimm. Tratava de levar dezenas de versões traduzidas em outras dezenas de línguas e as retraduzia, livremente. Tentando orações ainda mais sombrias.

Às vezes, ousava readequar o final, na petulante crença de poder adaptá-lo à cabana, como se provocasse o oculto e o desafiasse a penetrar em sua fortaleza de autocontrole mental. Escrevia à pena, na alta madrugada e sob a luz rala das velas. Porque assim se aproximava.

Depois, despedia-se da cabana e ateava fogo em cada uma das histórias que criara. Debochava do sobrenatural e regressava à cidade, à rotina e à sanidade intacta. Ria pelo caminho e inflava profundamente os pulmões, inspirando para dentro de si, um mundo incapaz de atormentá-lo.

Assistia, ao longo do ano seguinte, mais Lupes cederem à loucura. Alguns confiavam no diagnóstico e tinham uma vida razoável nos manicômios. Outros, completamente fora de si, acabavam lobotomizados e vegetalizados. Manoel temia acabar como os mais exaltados.

Então, quando o ano se encerrava, repetia a viagem e todo o ritual. Passava outras quatro semanas (não confiava mais na quinzena prima) dividindo e boicotando histórias tenebrosas dos grandes mestres, e incendiava tudo ao final. Vitorioso, aliviado e, cada vez mais são.

Passava todo o novo ano se convencendo da liberdade à sina familiar. Casara-se, tivera seus filhos e em alguns anos era um dos poucos Lupes. Em mais alguns, a única corrente de sangue Lupe vivia sob seu teto. A família da loucura (como diziam os psiquiatras) beirava a extinção.

Manoel não tardou a educar seus filhos a vencer o carma que ceifou toda a genealogia do sobrenome. Arrastou-os para a cabana e os fazia reinventar o Chapeuzinho Vermelho, João e Maria e a Cinderela. O mais jovem ia muito bem. A menina, Cícera, discordava do método.

E isso me aproximou, finalmente, da vertente derradeira daquela família. Em um dos natais na cabana. Enquanto Roni (o mais novo) reformulava a saga da Branca de Neve, no Bosque das Corujas, Cícera rabiscava despretensiosa, golfinhos, nuvens e um arco-íris, no chão do quarto.

Assim, sorrateiro, entrei pelas frestas das tábuas da parede, como uma rajada de vento, e estacionei em seu ouvido, sussurrando Jonas, Janine, Lilli e o Bravo Cavaleiro. Minha ínfima oferta à contrariedade da sanidade. Matei todos os outros, Manoel também haveria de cair!

E enquanto Cícera vagava numa epilepsia ocular, eu babava o sucesso da minha inserção maquiavélica. “Em breve. Em breve!”. Porém, acabo atravessado no meio pelo corvo de Poe e Manoel parado à porta. A pena corria firme pelo papel e, por trás, riam Quiroga e Maupassant.

Enfiei-me nas frestas e desapareci no bosque. Porque não sou capaz de chacinar uma família abençoada pela maldição dos grandes. Porque os temo! A minha minuscularidade os teme. Rolei as colinas do bosque abaixo e regressei ao meu vale medíocre das rosas sem espinhos.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O Beco da Perdição

Começou em pensamento. Discreto. Inocente. Sazonal. Ouvia por alto como era aquela região oculta da cidade, e imaginava o que o submundo escondia, madrugada adentro. Levou um pouco tempo até que virasse curiosidade. Tinha dezoito anos e total liberdade automobilística.

Na primeira noite, esperou que a cidade toda se pusesse a dormir e foi de vidros fechados, em alta velocidade, mal vendo o que se tinha para ver. Era um medo incontrolável de, por descuido, se expor a olhares familiares e prejudicar uma reputação que ainda se formava.

Esperou mais duas semanas, numa aflição sufocante, por uma abordagem que nunca aconteceu. Em alívio, estimulou-se em retornar com mais calma, numa segunda vez, ao Beco da Perdição. Mas dessa vez, ainda de vidros fechados, reduziu a marcha e fez questão de olhar.

Corpos torneados (quase todos), ousados, provocantes. Achava belo e, ao mesmo tempo, grotesco. Apetitosos pedaços de carne, expostos num leilão obscuro e anônimo. Mudo. Lançou olhares nas partes e também nos olhos, sob a recíproca lasciva que a profissão demandava.

Voltou para casa sabendo que aquela curiosidade já não era menos que uma necessidade iminente de compreender o valor daquele prazer mercantil. Tentou, por um tempo, desocupar-se desse crescente desejo. Faculdade, trabalho, relacionamentos convencionais.

Aos vinte e muitos, sobrava-lhe um buraco, alguma inconsequência qualquer, que só a juventude é capaz de permitir e perdoar. Voltou a frequentar o beco, num ritmo crescente. Aquele pensamento inicial, fugaz, era agora um objetivo. Programou-se a saciar a vontade.

Alugou um carro. Preto, de vidros filmados. Bebeu um vinho barato, toda a garrafa. Mesmo em alta embriaguez, tremia. Rodeou o beco por uma hora até que conseguisse escolher quem abordaria. Procurou um rosto, mais que um corpo, que fosse simpático, e não intimidador.

Quando encostou o carro, gostou da recepção. Um sorriso largo e confiante, como quem sabe lidar com esse tipo de situação. As palavras mal saíram da sua boca porque, também, não sabia o que deveria dizer. Num segundo, estavam ambos no carro, atracados em um drive in.

Na manhã seguinte o sorriso não disfarçava o êxtase da noite anterior. Mesmo com a clareza da relação superficial e comercial, sentia que atingira orgasmos mil vezes mais intensos que em seu relacionamento padrão, piamente adequado aos moldes conservadores da sociedade.

Entendeu, daquele dia em diante, que não abriria mão do Beco. Nunca na vida. Casou-se e estabilizou-se financeiramente. Teve seus dois filhos. Homens. Edificou a vida que lhe projetavam, sem deixar de consolidar, também, uma vida paralela. Promíscua e invisível.

Nesses dias, mantinha uma rotina semanal ao Beco. Alugara um apartamento e tinha também um carro, que só fazia esse itinerário. Não levantava nenhuma suspeita em casa ou no alto escalão do banco onde trabalhava. Nem repetia suas companhias. Era nada mais que sexo.

O vício aumentava e, gradualmente, foi tornando-se uma obsessão. As vezes tinham quatro, até cinco pessoas no carro. Já não sabia mais qual era sua vida paralela. A do Beco ou a do banco. Despertou uma curiosidade ainda mais marginal. O risco era a parte mais excitante.

Adentrou o fim do Beco, onde nunca tinha ido. A última rua, os transexuais. Já não tinha o mesmo medo da juventude e, de alguma forma, sentia falta. No flerta com o homossexual, tinha seus limites, mas, genuinamente, descobriu toques que, simplesmente, desconhecia.

Exalava sexualidade em cada um dos poros e se aprimorava quebrando tabus sociais, realizando fantasias dentro daquele apartamento. Tinha orgulho do requinte vanguardista nas suas tórridas orgias. E ainda mais orgulho do cuidado minucioso ao corpo. Exames bimestrais.

Foram quarenta e cinco anos levando duas vidas incompatíveis. Acima de qualquer suspeita e abaixo de qualquer moral. Faltava fôlego para conservar tantas aparências. Decidira que não levaria adiante. Os filhos já crescidos, a aposentadoria. Pela prostituidade do sangue, viveria!

Anunciou o divórcio e saiu de casa, sem maiores pretensões que poder dormir e acordar no apartamento da luxúria, com quem ou quens quisesse. Celebrou a liberdade em seu harém, com oito homens e dois travestis. Aos setenta anos, era já uma senhora e não devia satisfações.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Uma Casualidade

                                                                  Arte: John Malta (Rá!)

Usava um vestido preto, bem justo, que evidenciava as curvas enxutas do corpo de meia idade, além de um belo decote e uma generosa visão das pernas desnudas. Entrou no bar ignorando os olhares famintos dos pervertidos e o descobriu, sozinho no balcão, com um copo de vodka.

Sentou-se na banqueta mais próxima e arriscou contato visual. Parecia irritado com a vida e isso a provocava. Ele não percebeu sua presença. Se aproximou mais e curvou-se para o garçon: “O mesmo que ele está tomando, e traga uma nova dose para o cavalheiro”. Sorriu.

Ele a fitou sem muito entusiasmo e voltou para sua vodka, encerrando a sexta dose em um só gole. Instaurou-se algum tempo de silêncio até que novos copos chegassem. Ela ofereceu um brinde e bateu seu copo no dele, antes que concordasse, ou discordasse da oferta. Beberam.

O modo como a tratava teria feito qualquer um perder o interesse. Mas ela não parecia desmotivada. Aquele homem, já embriagado, tinha tudo o que ela procurava. O aspecto bruto, amargo e desinteressado, era o que a excitava. Naquele homem. Tinha que ser aquele homem.

Sem pestanejar, despejou: “Você é um homem bonito, porque está sozinho?” –“Porque eu quero estar sozinho.” – “Talvez você só precise da companhia certa.” – “Me deixe em paz”. – “Então olhe nos meus olhos e diga que me quer longe.” – “O que você quer comigo, afinal?”.

Essa era a abertura que ela precisava para conquista-lo finalmente. Depositou a mão sobre sua coxa esquerda e inventou qualquer besteira sobre destino e magnetismo. Ele sorriu desinteressado. Então ela jogou os cabelos por cima dos ombros e ele, enfim, entrou no jogo.

Perguntou sobre a obsessão por homens casados e ela fingiu não saber se tratar de um homem comprometido. Então ela perguntou sobre o matrimônio e ele respondeu não estar nos melhores dias. O confortou dizendo que qualquer mulher amaria um homem como ele.

Perguntou se também era uma mulher casada e ela, categoricamente, respondeu: “Acho que hoje não...” – Um novo sorriso, menos defensivo, destacou-se nos lábios do homem. Mãos se tocaram sobre o balcão. “Você o ama?” – Ele perguntou como se realmente se importasse.

“Sim, o amo.” – “Então porque isso?” – “Justamente porque o amo, você não entende?” – Modo estranho de demonstrar, não acha?” – “O amor é uma coisa estranha, eu poderia estar sozinha em casa agora, mas aqui estou.” – “E o que imagina que vai acontecer conosco?”.

Ela pensou por um instante e brincou com os dedos no gelo da dose de vodka pura. Olhou no fundo dos olhos dele e aproximou a boca de seu ouvido: “Só duas coisas podem acontecer conosco, nos despedimos aqui e nossa vida continua a mesma, ou saímos juntos pela porta.”.

Talvez fosse o álcool, talvez fosse uma conjunção de fatores, mas, pela primeira vez naquela noite ele quis chorar. Porque não entendia a vida tão fora de rumo, e porque queria, sinceramente, sair com aquela mulher dali. “Você não entende o que está me oferecendo.”.

“Vamos dar essa chance a nós dois?” – “É o que mais quero.” – “Vou te fazer o homem mais feliz do mundo!” – “É só o que espero de você.” – “Eu te amo” – “Eu também...” – Envolveram-se em um beijo apaixonado e, reconciliados, acordaram felizes, em um motel perto dali.