domingo, 26 de fevereiro de 2012

Hollywood em Nove



É noite de Oscar e eu mantenho minha mais consistente característica: Deixar para a última hora tudo aquilo que eu posso deixar para a última hora. Nesse caso, a resenha sobre os filmes indicados à premiação americana do cinema. Todos eles, melhores filmes, pretensos.

Já é tarde da noite e acabo de voltar do cinema onde assisti as duas obras que faltavam. Quais não importa. Aliás, não me encanta a ideia de pontuar um melhor filme dentre os mais de mil produzidos no ano, mas, vou brincar disso, com toda a minha pretensão cinéfila-amadora.

Então, começo de trás para frente, com o pior deles, porque assim gera alguma expectativa (quiçá positiva) à arrogância do meu texto. Steven Spielberg, o grande mago de outrora deu um tiro na água (que ricocheteou numa pedra e acertou o próprio pé) em Cavalo de Guerra.

O filme é insosso e fraco. Não desenvolve ou convence, com seus clichês românticos e fotografia artificial. As cenas de guerra parecem um balé bêbado e as atuações pecam. Difícil aceitar que o Spielberg em pessoa assinou aquilo, sem ter perdido uma aposta no pôquer.

Todos os próximos quatro filmes, são superiores ao pangaré do Spielberg mas equivalentes e médios. O Homem que Mudou o Jogo é a América que Hollywood cospe! Risco, superação, honra, vitória e uma bandeira americana. Filme-pipoca, bom para domingo e segunda a noite!

Os Descendentes dá uma perspectiva diferente sobre o povo havaiano e isso me agradou bastante no início, mas deixando isso de lado, o drama familiar que norteia o filme poderia ter sido narrado de qualquer lugar do planeta! Méritos indiscutíveis à trilha, precisa e delicada.

Então uma mistura arrebatadora nasce para ser o possível grande clichê oscarítico da noite: 11 de setembro e Tom Hanks! Tão Forte e Tão Perto podia ser isso, mas, Stephen Daldry decidiu algo mais sutil, focando o garoto que, contra todos, afirmo petulante que sustentou o papel!

E tais quais os dois indicados anteriores (e também o próximo), a obra de Daldry é simplista demais em sua narrativa e permite que os clichês determinem o desenrolar da história. Como em Vidas Cruzadas que, entretanto, é a única boa surpresa entre os médios.

Eu poderia entrar nos detalhes do filme, mas, vou ser eu mesmo e fazer tudo errado, dizendo da brilhantíssima atuação de Viola Davis, uma empregada doméstica negra, no Mississipi dos anos 60. O enredo é descarado no que diz respeito às relações entre o bem e o mal, mas vale.

E agora, finalmente, os quatro principais filmes, que não me desapontariam, caso ganhem (é sério, eu choro nessas coisas). Em primeiro lugar (ou quarto, fiquei confuso) coloco O Artista, que tem a ousadia de montar um filme mudo sobre o início do cinema falado em Hollywood.

Mas por perder duas ou três oportunidades de ser realmente inovador (frustrações minhas, sobre o que eu preferia que tivesse acontecido entre uma cena e outra), deixo-o fora do meu pódio sem gabarito e particular. Apesar de, possivelmente, levar o troféu no fim da noite.

A Invenção de Hugo Cabret, do Scorsese é meu tipo de filme! Doce, fantástico (substantivo, não adjetivo), inspirador e sensível. Seria meu voto, confiante, especialmente pelo Papa Georges (o pai da coisa, não Ben Kingsley), não fossem os outros dois filmes.

Meia Noite em Paris, o roteiro mais divertido e saboroso que pude ver exposto na telona (embora confesso a culpa da telinha), nos últimos tempos, me divertiu e surpreendeu em cada cena e cada reviravolta. Aliás, a cada novo filme, me culpo pelo respeito tardio (há tempo) a Woody Allen.

E por último, mas, em primeiro (é realmente confuso inverter a ordem das coisas!), reverencio A Árvore da Vida. O filme que me ferveu o sangue e toda a água do corpo durante as duas horas mais sinestésicas do cinema americano, ano passado.

Quando assisti àquela desconstrução de roteiro e aquelas imagens avulsas preenchidas por um texto emblemático e lírico, percebi que tratava-se da maior ruptura estilística da grande indústria cinematográfica do mundo! E admirei a indicação, mas não creio que venha a vencer.

E é fácil dizer a razão: Não tem o perfil da academia, sempre tão previsível. Mas também, principalmente, porque apenas eu e a família Malick acreditamos nessa possibilidade. Que, com esperança, tendo a mesma indiferença a respeito do resultado na manhã de amanhã.

Mas, acima disso e da besteira de determinar melhores e piores de qualquer coisa, é bom que o cinema continue aí, produzindo, provocando, inspirando. Fazendo rir e chorar. Mexendo conosco tão intimamente, mesmo tão distante. Arte, quem define? Mesmo em hollywood.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Personalidade Icônica (ou o Avesso)

                                                                                 Arte: Enoc Jr.


É bem num certo momento (foi ele quem disse) que tudo muda. No mundo, na vida, no tudo. Quero dizer que, sou do sol (embora na mesma luta de sempre, circular e lenta da antimesmice) e rabugento, mas dou o braço a torcer aos bons filósofos do cotidiano. Tão poucos e puros.

Mas só dou esse braço a torcer quando há a sutileza e a simplicidade da afirmação amena, sem a prepotência da sabedoria unilateral, e nem a arrogância habitual da doutrina de mesa de bar (as vezes, inclusive, pecado meu). Por isso que, quando ele fala, confesso, escuto!

Porque há nele, indubitavelmente, mais cavalheirismo e delicadeza em ouvir a contraposição do oponente debático, que embutir no grosso do intestino uma verdade duvidosa e crua, mau formada e mau consolidada. Pois, afinal, somos todos aprendizes das tais verdades da vida.

E todas elas, digo, TODAS essas verdades, padecem flácidas do absolutismo (literal e apolítico), incrustradas em nós, em nosso meio, como leis sacras e incontestáveis. E aí vem os contestadores, pretensos heróis do dedo em riste. Tão amadores que repilo! Baderneiros...

Porque contestação com dedo em riste nada mais é que alienação da opinião oposta (pecado meu, as vezes, volto a dizer!). E pecado de todos, não fosse a doce exceção à regra. Aliás, pauso para refletir sobre meu sorriso à definição involuntária e precisa do objeto em questão:

“Exceção à regra” – E nenhuma outra coisa que não isso! Não, melhor ainda, todas as outras coisas que não isso: A regra. Porque sua contestação é toda sua, individual e autêntica. A cultura da contracultura. Aquela tal libertação da máquina cultural do “isso e aquilo”.

Seu envolvimento visceral com o ser humano. A expectativa e a disposição em acreditar no delicado modelo da interação inocente. “Será que chove?” – A liberdade criativa de saber (ao menos) o mínimo do todo, para garantir qualquer chance de engrandecimento intelectual.

E sua frágil formação não compete com a poderosa articulação das palavras. Ou com a aguçada reflexão sobre as coisas mais inreflexíveis. Sobre a chuva, por exemplo, e seu poder sob o céu e o sol (rei de mim), tão universal e coadjuvante da chuva, toda mínima e terráquea.

Por isso que, no meio do alto verão e do calor que me agita, admito uma mórbida admiração à chuva. Às gotas potentes e sensuais, capazes de nos subverter na origem das verdades e nos transformar em seres metamórficos. Dispostos ao bem, mas, melindrosos, à espreita do mal.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O Mundo Conspira


Despacharam-no para Buenos Aires em um congresso internacional de antropologia contemporânea. Aldo, nunca na vida imaginou participar de um evento desses como palestrante. Poucos amigos entendiam o absurdo do convite, mas, tudo pago, embarcou.

Tinha acabado de lançar um livro de ensaios (e ensaiava algum reconhecimento). Talvez por isso (e por alguma maluquice desses intelectuais acadêmicos) pensavam que entendia da coisa do “homem”. Mas Aldo escrevia do crânio para fora e sequer sabia que diabos era um ensaio!

Mesmo assim, pousou entre os portenhos e foi logo atrás de algumas taças de vinho. Não relatou aos colegas de discurso mas, sua visita lá tinha uma só uva, ou melhor, motivo. Hotel cinco estrelas, gente jovem e velha, gente entendida e ele no meio, bêbado feito uma vaca.

Palestraria no sexto dia do congresso, o sétimo de estadia. Enquanto isso bebia. O julgavam recluso, enigmático, sombrio e interessante. E ele, ébrio que só, conhecia-se bem. Ébrio, e só! Saia do quarto para comer, beber e caminhava pelo centro. Voltava de madrugada.

Enquanto isso os organizadores diziam: “Vejam como ele passa ignorando todos à sua volta. Há algo de muito intrigante nesse homem e creio que sua palestra vai ser histórica!” – E com razão Aldo os Ignorava rudemente, ocupado em seu tour alcoólico. Mas era só isso...

Os dias foram passando e, entre uma garrafa e outra, assistia a palestras da tarde, para familiarizar-se com o vocabulário. A verdade é que não tinha preparado nem uma linha e, ouvi-los tão discursivos deveria assusta-lo, se não o acalmasse tanto, o amortecimento do álcool.

Na noite do quinto dia, maturado e fermentado, decidiu se despedir das uvas numa grande orgia de Cabernets, Merlots, Malbecs e Syrahs. Assim que o sol se dissipou no horizonte, foi à adega do Martin (um novo e bom amigo) e recrutou quatro garrafas dessas para o seu quarto.

Viu o sol invadir a janela, na manhã seguinte, no meio da última garrafa. Tivera uma noite muito produtiva, onde escreveu muito (talvez mais dois, desses ensaios) e constatou em definitivo o tino zero para a compreensão dos bouquets e taninos do vinho. Fraude!

Em algumas horas faria a palestra e dormir, a essa altura, só pioraria seu estado. Tomou um banho frio e desceu ao lobby do hotel. Cabeça latejando, boca amarrada e um mau humor familiar, já de outros carnavais. Vestiu-se sem elegância e colocou seus óculos escuros.

Fazia um dia muito quente e claro, e sua retina não suportaria desnuda o excesso de luz. Sentou numa poltrona do bar, no canto mais escuro e, para evitar interações indevidas, escondeu-se atrás de um Clarin. Em dois minutos, dormia e roncava, envolvido no jornal.

Despertou chacoalhado uns trinta minutos antes da palestra, três horas depois da entrega, na poltrona. Estavam desesperados porque não o encontraram antes e não sabiam como iria querer as coisas na sala de conferência. Pediu apenas orientação para o caminho.

Cruzou as centenas de cabeças que acompanhavam seus passos e, camuflado sob os óculos, acenou com o limite da gentileza que seu estado físico permitia. Acomodou-se na cadeira central da bancada e esperou até que todos se acalmassem e calassem finalmente a boca.

Logo que o silêncio se veio, gesticulou positivamente aos colegas de banca e, sob a pressão da cabeça prestes a explodir, deram início ao evento. Um professor/doutor de Córdoba o apresentou e, em seguida, passou o microfone. Tomou-o nas mãos com um longo suspiro.

Ficou por um longuíssimo minuto quieto, pensando em por onde começar. Logo um par de vozes sussurrou, interrompendo o silêncio e, numa fração precisa de segundos mirou os dois: “Vocês! É, vocês mesmo que falam! Definam o homem!” – E arremessou o microfone.

O cidadão que o pegou, esbugalhou os olhos suplicando que não fizesse parte daquilo. E tremia muito, braço e lábios. O segundo tratou de lhe roubar a peça e a falar, desenfreado, sobre tudo o que sabia do ser humano: Comportamento, natureza, cultura, essência. Aldo riu.

Riu da vaidade humana e, enquanto o jovem vomitava trocentos pensamentos de mil e quinhentos filósofos, sociólogos, antropólogos e afins, juntou as mãos sobre a bancada e apoiou o queixo sobre elas. Como se compenetrado. E dormiu. A dor foi dando alguma trégua.

Em certo ponto foi incomodado do sono por um leve solavanco no braço e, preocupado em ter sido descoberto, abriu os olhos. O som subiu confuso. Quando percebeu, a sala se dividia em dois grupos, que se atacavam verbalmente e ferozmente. Ainda estava bêbado. Ou sonhava!

As pessoas se exaltavam a batiam na mesa. Gritavam umas com as outras e, mesmo a banca, havia perdido a compostura. Já tinham tirado seus paletós, afrouxado as gravatas e entrado na balbúrdia. Aldo percebeu sua irrelevância ali e retomou a confortável posição. E aos sonhos.

Toda a gritaria foi novamente minguando e, mais uma vez, estava em seu paraíso, longe daquele congresso, da dor de cabeça e de tantos desconhecidos intelectuais. Um interminável oceano de vinho tinto e ele nadava, tritão, a caminho de casa.

Pouco depois, foi despertado pela segunda vez e, sob um silêncio absoluto, tinha o microfone à frente. Cochicharam em seu ouvido: “E então? Querem saber o que acha do que acabamos de dizer”. Soltou as mãos, olhou para os lados e pegou o microfone com displicência.

“Eu? Acho que é exatamente isso... E vocês, não?” – Soltou-o na mesa enquanto ia em direção à saída, absolutamente aquém daquela discussão. As pessoas caladas se olhavam confusas até que, finalmente, uma salva apoteótica de aplausos invadiu a sala assinando o veredito.

Aldo regressou com status de celebridade e as vendas do seu livro dispararam. A editora aprovou o resultado e logo o enfiou em outros congressos. Neste momento, está a caminho de Bordeaux, sedento da principal bebida local. Outra palestra histórica... O mundo conspira!

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O Sonho aos Que Não Dormem


Não sou do sono, vou lhes dizer. Sou do tipo olhos abertos, enquanto todos respiram fundo na quinta dimensão do irreal. Sou dos que, noite adentro, ativam a função coruja até o sol raiar no céu, impotente e imbatível. Porém, sou desses que, apesar do apreço à noite, zumbi de dia.

Porque sou dos mesmos que, aliás, piscam compulsa e furtivamente durante o dia útil (aos outros), saturado do frenesi da vida, que não pára nunca! Às segundas, sextas e domingos! Deus, que pressa é essa que não alcanço? A vontade de resolver o inútil todo ainda hoje!

Um todo turvo e inatingível. Por isso fã da noite... Da paz, da calma, da desapressa de resolver o irresolvível numa só tacada. Porque, já aprendi, menos problemas no bolso são mais problemas na mesa. E, portanto, os carrego no bolso, na altura da mão e da amnésia.

Pois, quando todos à flor da pele, na parede do crânio, loucura à frente! E desassossego! Que motivo tem a vida, senão a paz e a alegria? Dinheiro, sucesso e álcool? Consequência pouca aos que verdadeiramente riem da vida com o melhor que ela oferece: Felicidade!

E para ela não tem hora. Notívago ou matutino! Férias ou terça quente de verão, durante reunião de balanço mensal. Felicidade é estado de espírito. E só! É dormir em paz, dando liberdade a si mesmo de acordar, impressionado, com o improvável sonhado na noite anterior.

Porque só no sonho somos nós. Descontrolados de nós mesmos e das rédeas sociais as quais nos submetemos todos os dias. Nos sonhos somos tudo o que, sequer, imaginamos. Porque somos livres. Da sociedade e de nós mesmos. Sou fraco de sonho, mas, quando fresco, satisfeito.

Porque me vejo muito além de mim, desejoso de uma vida mais sonhada e menos alicerceada. Vigas, lajes e concreto. Tudo isso é muito prático, mas simples demais, ao mesmo tempo. Bom de viver é o desapego ao passo reto que vem adiante. E quero mais é andar no escuro!

Porque é no escuro que nossa mente ferve, criativa e livre. É na abstinência do plano que voamos em mil direções, sonolentos ou não. Abertos à vida, às novidades, ao mundo e todo o resto. Tenho pouco sono, reforço, mas muito prazer em dormir. Ou melhor, em sonhar!

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Meu Adorável Corpo Renascentista


Não é fácil, devo dizer. Essa coisa de conservar, abaixo do pescoço, um corpo perfeito em cada curva e saliência, é tarefa hercúlea e, por isso, admirável. Ok, ok, obrigado! Essa minha devoção aos pesos e aos alteres. A obsessão pelos bíceps e tríceps e quadríceps. E trapézio.

Esse desejo incontrolável pelo esforço físico maior que a força muscular do meu físico discreto. O suor que escorre pelo peito, abdômen e panturrilha. Os gemidos guturais, como gritos de ossos quebrados, são prazeres inadjetiváveis. Dos quais eu, simplesmente, não compactuo...

Porque pelo corpo que nos é vendido por aí, é preciso um, de três fatores (além da vontade, que é força mãe): Viver disso, ter tempo para isso ou abrir mão de outros issos, por isso. Eu ordinário, não caibo e, portanto, vivo a frustração de uma inconveniente saliência abdominal.

Não inconveniente que me impossibilite das acrobacias cotidianas que me cabiam desde menino. Mas inconveniente ao mundo, um apêndice moral do culto a uma saúde que ignora as condições mínimas de saúde, já há um bom tempo. E tenho vergonha dessa gordura pouca ali.

Porque me convenceram que é de se envergonhar mesmo! Porque, quando adolescente, tímido e inseguro, confiei que um corpo talhado e rijo me arremessaria a mulheres antes inatingíveis e que isso dissimularia minha incompetência para a argumentação.

Por sorte e, com o tempo, meu vislumbre calhou de ser maior na arte da retórica que nos supinos e roscas scott. Não à toa a tal da protuberância abdominal. E não que, necessariamente, um ou outro. Mas eu, no âmago da minha preguiça, jamais os dois!

Por isso insatisfeito, sempre, mas nunca infeliz com o destino que as coisas tomam. Porque cedo ou tarde descobrimos que somos as nossas escolhas e, portanto, erramos menos do que pensamos. E, se não atraente nos músculos, então no verbo. Há virilidade nisso, não?

E, mesmo que nunca num corpo renascentista, o esforço por uma cabeça iluminista, apoiada sobre a massa dadaísta que caminha à libertação do encarceramento do corpo. Chocolate, cerveja, bacon, ovos e eu ali, lambuzado, calçando (quando disposto) meus tênis de corrida.