segunda-feira, 30 de abril de 2012

Um Bom Dia Para Morrer



É mais ou menos no momento em que ouvimos o clique do metal no ferrolho do cinto que pensamos: “Taí um bom dia para morrer!” – E não digo só pela minha estranha obsessão ao último capítulo da história (minha e sua), mas é que admitir a morte de bom grado aí, vai bem!

E precisamente por isso sou capaz de entender a fobia dos fobistas às aeronaves. Como não temer, feito gato escaldado, a clausura de um objeto capaz de carregar mais de duzentas pessoas, como se porcos na boleia, a uma altura que beira aquela tal celestialidade do fim?

Por isso imagino que, se já tão perto de Deus, o único meio de topar a aventura da decolagem, é aceitando que, pela impotência a qualquer solução MacGyveriana (caso algum erro), morrer é possibilidade real. Especialmente porque qualquer erro na aeronáutica tende à fatalidade.

Não que seja fácil errar, conheço os aeronautas e seus rigores, e sei que despencar das alturas depende quase que exclusivamente de dois fatores: Desleixo do piloto ou capricho de Deus. O resto, a ciência aeronáutica tratou de garantir ao longo dos anos, aprimorando papai Dumont.

Mas ainda assim (ou justamente por isso) minha tolerância aos cagões dos ares. Os entendo, meus caros! Mesmo que eu não tenha medo nenhum, os entendo. O alçar voo, o aterrissar, as turbulências, o banheiro de lata de sardinhas e até os terroristas! Me encanta a missa inteira!

Assim como me encanta viver, claro que sim! Mas gosto de voar, porque voando vou a lugares distantes. O bastante para me desconectar da rotina, mas também, em seguida, me colocar em abstinência para a volta. Gosto de estar em trânsito. Gosto de ir, tanto quanto voltar.

Gosto de pensar que morrerei dormindo, quando isso vier a acontecer. De preferência de velho e sem estar doente. Pretendo apenas esquecer de respirar na alta madrugada e nunca mais acordar. Mas se, na paz do voo alguma pane aérea, será sim, um bom dia para morrer.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Daqui a Quinze Anos


O mundo será menos justo comigo do que com você. Enquanto estiver na flor da juventude, estarei à beira da crise, entre a calvície e um conversível. Os dias passarão como anos para você e os anos como minutos para mim. É que o tempo, depois de um tempo, é implacável.

Mas não para você, que daqui a quinze anos estará debutando para a vida e gozando de toda a liberdade que ela oferece, sem quase nada das responsabilidades que ela embute no pacote (como concessão à felicidade absoluta). A vida inveja a felicidade às vezes, tome cuidado!

Não receie a felicidade nunca, sorria! Porque não custa nada. Daqui a quinze anos, olhe para trás e relembre seus sorrisos. Conte-os! Dobre a cota até os trinta. Quadriplique aos sessenta. E não deixe que lhe digam o contrário. Isso é coisa de quem sorriu pouco. Os derrotados!

Mantenha distância dos derrotados, são muitos. E não tenha milhares de amigos, porque ninguém tem milhares de amigos. Que sejam poucos e bons! Saiba lhes dar valor e atenção e não precisará oferecer mais nada. E terá tudo o que precisa de volta, na mesma intensidade.

Se envolva! Com pessoas, com lugares, com situações e com a vida! Ouça música boa. Qualquer uma. Descubra a sua, mas, se livre das enlatadas. Fazer música é difícil demais para perder tempo com as industrializadas. Leia muito! Os clássicos, os novos e os marginais.

Viaje, conheça outras línguas. Acredite na arte. Experimente coisas novas, lícitas e ilícitas. Tenha hobbys e vícios. Hobbys para vencer o ócio nos dias de chuva e nos momentos de introspecção. Vícios para ter o que enfrentar nos períodos de reclusão. E livre-se dos vícios.

Pratique esporte. Não só para o corpo, mas para a mente também. Mantenha o corpo em movimento que a mente acompanha. A essa altura, você já aprendeu que o mundo gira durante as vinte e quatro horas do dia e que ficar no lugar não é ficar, mas, recuar uns passos.

E só se vive uma vez. De corpo, alma e coração. Vão dizer que não é verdade e talvez você se convença. Paciência. Só não se esqueça de fazer valer a pena. Tudo. Cada vírgula da sua história precisa valer, porque, na eternidade da velhice: memórias, remorsos e invalidez.

Mas juventude antes da velhice, não inverta isso! Seja adolescente antes de amadurecer e tenha sido criança antes dos quinze anos. Não pule etapas e nem se envergonhe de nenhuma delas. São elas que formam seu caráter e te levam adiante na vida. As vírgulas da história.

Daqui a quinze anos, você terá mais informações acumuladas do que eu (bendita tecnologia), e esse texto provavelmente continuará valendo mais a mim do que a você. Já terei passado dos quarenta e não sei o que devo esperar. Por isso lá, se eu estiver perdido, você me ajuda?

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Falência Múltipla dos Órgãos


É o que eu quero que os médicos digam quando vierem notificar minha família. “Falência múltipla dos órgãos”. Mas deixo claro, desde já, que não anseio morrer e minha saúde vai bem, aliás. É que pelo inevitável que baterá à porta cedo ou tarde, eis meu capricho mórbido.

E não me encare com essas sobrancelhas prepotentes quando eu digo sobre a falência múltipla, pois você não ama a vida mais do que eu! Sei que te parece sombrio ou, ainda, derrotista, mas num instante te faço compreender a morte mais encantadora que há.

Aquela que nos arrebata tão unânime que covardia acaba sendo lutar contra. A mesma que divide a culpa com todos os fatores internos e externos (do corpo e da vida) e minimiza o vilão, o diluindo no organismo, por todos os lados, não permitindo que se aponte a uma direção.

Pois é exatamente quando penso em falência múltipla que tenho a certeza mais absoluta que a hora chegou. Você não? A mim apenas uma certeza serena. Não como a morte teimosa de um dos órgãos se rebelando com o resto do corpo, exigindo, adolescente, toda a atenção para si.

Nem quando um carro te arrebata distraído na rua, ou, quando o fogo te derrete a pele, os músculos e te encerra a vida antes de atingir os órgãos. Ou ainda, e mais angustiante, no sufocamento dilacerante da água salobra (e infestada de tubarões) invadindo os pulmões.

Mas é na falência múltipla que o corpo chega a um consenso extremamente democrático sobre o fim. Do jogo, da vida. É o resultado fulminante da conferência dos órgãos dizendo: Não dá mais! E todos juntos, como se derrubassem o disjuntor, cessam o trabalho à aposentadoria.

Portanto não anseio da Morte o desafio à ultima partida de xadrez, mas, já que ela acenará soturna, qualquer dia a partir de hoje, que me leve irreversível, para que não me arrependa de ceder, e para que possa admitir a derrota nalgum lugar mais calmo, bem longe do meu corpo.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Os Amores Imaginários de Xavier Dolan


Depois de uma fracassada tentativa de escrever sobre dez filmes em uma mesma crítica, volto bem menos pretencioso, e apoiado na facilidade em dissertar sobre “Amores Imaginários”, de Xavier Dolan. Um filme fantástico, e chego lá, mas Xavier, um menino, simplesmente gênio!

Quando me comprometi ao filme de hoje, para tirar o atraso das telonas, apenas acessei a página do cinema e escolhi qualquer filme estrangeiro que pudesse me surpreender. Para diminuir os riscos, vi o trailer e, como sempre, me vendi ao prelúdio de um minuto e meio.

Mas ainda não sabia se tratar de Xavier, nem o reconheci no trailer. Embora já o conhecesse de “Eu Matei a Minha Mãe”, filme de 2009. E de quando o tal menino (diretor e protagonista) tinha vinte aninhos. Na época um algo me chamou muito a atenção na condução do filme.

A forma diferente e clíptica de enquadrar as cenas. O cenário, de modo geral, é muito intenso, em cores, figurino, objetos e toda a composição. Em “Amores Imaginários”, filmado um ano depois, o conceito se concretiza. Xavier consegue reinventar a forma sem mudar as regras.

Seus filmes em si não são diferentes do que já vimos mais de uma vez, nas lentes dos grandes e pequenos da sétima arte. Mas a sutileza com que ele consegue impor um novo olhar, decididamente mais moderno, restabelece a paz ao instável futuro cinematográfico.

Por isso exalto Xavier Dolan a mártir de uma geração de cineastas que ainda estão por vir. Aos vinte e dois anos já dirigiu três filmes “(Laurence Anyways” aparentemente está por vir) e em pelo menos dois, garantiu-se três degraus acima da média produzida por aí ultimamente.

Obviamente não se trata de uma nova ordem de filmes, mas Xavier encabeça uma das mil e uma vertentes que o cinema oferece. Pela brilhante sensibilidade de enquadramento, pela precisa sobreposição da trilha sonora (mérito dele por dedução minha) e ainda mais.

Pela delicadeza em tratar a sexualidade com a simplicidade natural do homem. Homo ou hetero. Sem a pretensa rebeldia do homo ou a exacerbada vulgaridade do hetero. Sexo como é: Desengonçado, sensual, inseguro, selvagem, doce e humano. Simplesmente humano, afinal.

Dolan não defende sua sexualidade nos filmes, mas a sexualidade nos filmes. E cores. E referências pop e dinamismo. Sim, há um dinamismo em seu roteiro, claro e meticuloso. Textos fortes, ácidos. As cenas se fundem em áudio e vídeo, invadindo-se deliberadamente.

Mas ah, “Amores Imaginários”! Como forma de redenção e sem nenhuma pretensão... Creio que tarde demais! De qualquer forma, o filme é apenas uma obra impecável, indispensável aos que respeitam novas formas de reinventar o conhecido. E nada mais que isso!

sexta-feira, 6 de abril de 2012

O Lugar do Passado



É agora! Sem cerimonias, afirmo, com todas as letras, que o lugar do passado é o presente. E digo, ainda, com toda a plenitude alcoólica que, temos no presente muito pouco do presente e quase nenhum futuro. Além do passado. Que nos constrói, molda e apresenta.

Sou exclusivamente o que fui. E só! O que sou hoje é tão volátil que só se tornará sólido quando eu deixar de ser e quando, afirmadamente, puder ter certeza de que, não sendo mais isso, fui, algum dia. Essa é a magia do ser. De ser. Estou quem sou hoje porque tenho passado.

E vou além, antes de chegar onde quero chegar com esse pequeno devaneio. E por isso encerro a metalinguagem e qualquer subtendimento, reconfirmando a noção de que o ser humano não é, está! Porque ser qualquer coisa é pequeno demais para a imensidão humana.

Por isso estou! Onde quer que eu esteja nesse momento da vida, apenas estou. Não sou capaz de ser. Porque ser é etéreo demais para o ser. O ser é maior e migra. Transforma-se. Muta. Evolui a cada grão de conhecimento acumulado. E é bom entender o mundo que nos cerca.

Agora chego onde quero chegar. “E.T”! Estou assistindo à pérola de Steven Spielberg nesse exato momento. Repito: NESSE EXATO MOMENTO! – E pela vigésima vez, mas, também, pela primeira vez em quinze anos. E quer saber? Mil coisas me passam pela cabeça agora.

E agora é o presente. E no presente, lembro-me pouco do passado. Lembro-me nada que Elliot tinha um irmão mais velho. Confesso, inclusive, que sequer lembrava que Elliot chamava-se Elliot. Lembrava-me apenas de Drew Barrimore. E hoje, Drew é uma criança, perto de mim.

Mas recordo, com absoluta memória infantil, que “E.T” me transformou. Spielberg (gênio sepultado) está em mim, lá dentro. Não me lembrava de como Elliot ganhava a confiança do pequeno alien, nem de Erika Eleniak. Mas, minha doçura nasceu ali. Além da Terra da Magia.

Que não vem ao caso. O voo da bicicleta e a lua. Inesquecível. Nesse exato momento na tela, e renascido em mim. Gosto do passado, de entender o presente. Gosto de lembrar de quando a vida era tão parnasiana que entediava. De quando “E.T” ocupava meus neurônios virgens.

Hoje é memória, e por isso, quem sou. Não estou mais “E.T”, hoje sou “E.T”! Convicto, limpo, livre, feliz. Irrecuperável porque, “E.T” e mil coisas mais. A infância passa e a inocência vai embora com ela. A fantasia, você bem sabe, passa. Spielberg, se você cresce, passa junto.

Mas se você, trinta anos nas costas, não chorou pelo crisântemo murcho, tem, na verdade, poucos motivos para chorar hoje. Dane-se se já se foram seus avós, seus pais ou seu cachorro. Lágrimas florais são imprescindíveis! Por isso, empurro a gota guardada em mim para fora.

In Memoriam!