terça-feira, 31 de julho de 2012

Sopa de Graça



Eu rio. Da graça que perdi em algum canto da vida (que anda meio revirada). Rio da desgraça de ter perdido a graça, e de ter descoberto nas primeiras badaladas da noite, a desgraça que é ter perdido a droga da graça. Perdi foi o sal da sopa, salpicada com letras repetidas de amido.

Sinto-me, aliás, todo sem sal, nessa enésima despedida (binária, cheia de zeros e uns). Sinto que os frutos colhidos caíram todos do pé e escaparam pelos dedos, rolando amassados, morro abaixo. Que descuido deixa-los despencar assim! E já não tenho pernas para o morro íngreme.

Assisto-os fugir da vista (que é a última a perdê-los), rodopiando desengonçados para muito além de onde poderei encontrá-los, quando o mundo reeditar as linhas retas. De onde estou, fica só a fome. E os bigatos dos frutos, também famintos, esperando que eu me decomponha.

Pois decomponho-me, vermes malditos, mas, tenham calma! Compartilhem deste último prazer da lamentação gratuita e óbvia, que ofereço-lhes em seguida a carne putrefata. Quero mais nada com este corpo cheio de artroses e manias bobas. Tentei de tudo, para ter de tudo.

E descobri que tudo é tanta coisa, que jamais poderia ser armazenada. É tão abundante que, jamais catalogada. É tanto, que não cabe em um lugar só. Quem no mundo para ter tudo? Deus deu a graça da escolha e escolha, a Deus é obrigação (a máxima que não perde a graça!).

Ter algo é, incontestavelmente, não ter outro algo qualquer. Por isso a gente escolhe. Pela obrigação e pelo esporte. A porta dos desesperados. Duro é quando tomam a decisão por nós... Mérito de Deus dar a brincadeira e nos deixar brincar. Então me deixa brincar também!

Deixa, que eu levo a brincadeira a sério. Jogo para o alto o tabuleiro e me atiro no jogo. Com uma vontade incontrolável de salgar minha sopa, de recolher os frutos andarilhos e esmagar seus vermes. Doido (como um bom doido) para rir ruidosamente e logo, da graça recuperada.

domingo, 22 de julho de 2012

Domingulite


                                                                                                             Arte: Cadé Monteiro

Calafrios em cada uma das vertebras. Individuais, sucessivos e em intervalos regulares. Pupilas dilatadas e mãos tremendo involuntariamente. Passam as horas e aumenta a angústia. É uma dor insuportável que aflige dentro da alma mas que, cruel, não irrita um só pelo do lado de fora.

Pergunto quando é que os domingos terão, finalmente, cara de começo? Diabo de dia que abre as semanas (todas elas) com a maior sensação de fim do mundo! Não sou só eu, sei, por isso, colega, que agonia! Deve ter um termo técnico para nossa patologia e algum tarja preta indicado.

Daí me entupo infanto-juvenil, da lua em diante, como se confeitos coloridos para hipoglicêmicos compulsivos. Dê-me apenas o nome que o resto é comigo! Quinhentos miligramas, orabase, hora em hora. Domingo a noite não faz bem. Autoterapia autodestrutiva. Dessa vez, só eu?

Tenho cá minhas dúvidas, pois, conheço os que me cercam. São essencialmente minha inspiração e uma metade de mim que dedico à configuração complementar do ego. Meio de mim sou eu, meio de mim são eles. E eles pensam, sofrem, rangem os dentes no escuro.

Mas me mantêm de pé seis dias por semana. Nos dias menos solitários e menos individuais. Dias que me ocupam de tédio, dispersão, desencontros, rotina e alguma lucidez na inspiração. Dias em que o álcool é possível com diálogos eloquentes, incoerentes e tilintados a cada gole.

Domingos não são assim, porque, se domingo fosse um dia como qualquer outro, eu estaria lá, qualquericando a noite para afoga-lo no tinto profundo da taça. Em diálogos eloquentes, incoerentes e tilintados a cada gole. Pois, o único meio de ser, ou, do contrário, domingo...

Que é sim, irritantemente igual, ainda que escondido em uma véspera de feriado. Semana a semana é a mesma coisa. Mais de mil e quinhentas delas já, mais três mil adiante. Tento fingir, todo domingo, que ficará tudo bem, mas, uma hora, a cabeça vai para o travesseiro e...

Vem as promessas atrasadas, os compromissos postergados, as metas caducadas e as pessoas. Todas aquelas que partiram. Para se proteger ou para me proteger, para viver histórias da própria vida, incompatível à minha. Tem sempre algum novo protagonista na página virada, do capítulo do passado.

Me recomponho na segunda-feira. O dia do alívio! Quando tudo começa de fato. Sofro, meus caros, de um caso crônico de domingulite. E se nalgum dia vocês já não me encontrarem por aí, saibam que fiquei entalado entre a televisão e o sofá. Catatônico e cozido, na baixa madrugada.

sábado, 14 de julho de 2012

Eu Gosto é do Gosto



Trata-se de um vício, e dos mais refrescantes. Se qualquer dia desses algum diagnóstico clínico: Vício. Do latim Vitium. “A prática frequente de um ato considerado pecaminoso”. “Um hábito inveterado, mania”. Ou ainda, meu preferido: “Dependência do consumo de uma substância”.

É exatamente disso que se trata! Obsessão. Minha fuga, reclusão e total alienação. Sou o mais indiscreto consumidor. O delinquente dependente que, salvo as horas de pura impossibilidade, entregue de corpo, alma e goela ao que mantém vivo, embora também, mate aos poucos.

Mas, se para morrer aos poucos, respirar a poluição das metrópoles ou o tédio (do que restou) do interior, já bastam, viciado na vida! No que mais? Celebrando a devoção maior que minhas forças, contrárias à corrente que leva na direção da maré. Sem canoa, sem remo e sem rumo.

Decepo logo o lacre que me distancia do elixir mágico da felicidade. O invólucro irresistente que faz nada senão mero charme à minha necessidade, cada vez mais frequente, diária e vital. Esbaldo-me no suco. Derrotado e sem oxigênio, que a formulação química da vida é outra!

Satisfaço-me na solidão ou na multidão, na subversão do corpo e da mente. Na verdade, é na sobversão! Ora essa, nunca mais para baixo, e nunca mais menos! Não enquanto envolvido nos doze, treze ou quinze por cento do valor nutricional que o corpo pede, para ficar de pé.

Mesmo que cambaleante. Pois o gingado proporcionado é suingue em pista de dança. E danço a vida, que é na pista que ela acontece. Dois para lá, dois para cá, chão! Taça, pulo, copo, sacolejo, chão. Cada nova porção sorvida é desapego ao corpo físico, é força transcendental.

Esforço-me erectus por convenção, ao mesmo tempo em que me lixo para a condição reta do corpo. Quanto mais dentro do vício (e da vida), menos dependente da massa estúpida de carne, pele, ossos e cicatrizes. E quanto menos resisto, mais vivo a felicidade intangível da vida.

Brindo os pulmões pulsantes. O coração vibrante. O fígado impenetrável! Brindo essa coisinha pouca que nomeei felicidade. Eu brindo porque gosto, e também quando me lembro. E lembro bastante, que a memória está sempre ali, martelando. O que eu gosto, é do gosto... da vida!

terça-feira, 10 de julho de 2012

A Parábola da Sequoia (ou a Parábola do Se Caio)



Pretendi devanear sobre os limites do conhecimento e tenho cá o meu, que é justo. Pensei na parábola perfeita, aquela do desprendimento do solo, de alçar voos cada vez mais altos e em todas as direções, buscando um tal de conhecimento livre (das rotas, estradas e semáforos).

Li sobre as sequoias, e todo esse gigantismo natural e ilimitado delas. E, no fim, a parábola é boa, vejam só: As sequoias germinam do solo virgem, fecundo e fundamental. Espalham suas raízes sob a terra e não param de crescer. Depois delas, através delas, só por cima delas!

Sei que já está claro, mas, se eu reforçar a ideia, minha frustração se tornará mais divertida adiante: Chão é base. É alicerce fértil. O chão é a origem, ou o “úterus intelectus”. Sequoia é conhecimento, é vivência, o dia-a-dia experimental/experiencial da gente. Sequoia é ilimitada.

Aí, do alto da parábola, no cume da curva desaceleraria que aponta o desfecho para baixo (minhas parábolas partem sempre de baixo. Por que voltam para baixo), resta a nós, sermos... a natureza! E, naturalmente, não sou a natureza. Nem eu, nem você. Mesmo que vegetariano!

Na natureza, o homem vai ser sempre o homem. Dominante. No solo, vai plantar grãos ou pasto para gado. Da sequoia, fará casa e utensílios. É que, do homem, a natureza é vassala. Mas paro! Que o intuito é outro e militância ecológica é coisa de elfos, gnomos e unicórnios!

O que quero dizer, retomando a ideia de conhecimento é que, solo, apesar de base, é, também, profundidade. Eu humano, cercado de sequoias, vejo pouco se no chão. Troncos, folhas, terra, grama e muito pouco de quase nada. Abrangência? Só se escalando a titânica conífera.

Pois do alto, lá do topo dos cem metros, vejo o mundo e toda a natureza que se curva diante da imponência da sequoia. Minha visão atravessa o bosque e seus lagos, atravessa as cidades, os continentes, os oceanos e dá a volta ao mundo. Lá de cima eu vejo muito, de quase tudo.

Mas que conhecimento é esse que me apresenta todas as coisas tão pequenas e tão isentas de detalhes? Eu gosto dos detalhes! Ao subir a sequoia, metro a metro, adquiro mais conhecimento que no bucolismo panorâmico do topo. Ali, envergado, mal sei onde estou.

Talvez até pareça que eu não acredito no conhecimento ilimitado. Na verdade, penso que não dá para saber tudo, de tudo. E gosto de acreditar que algum dia me reservo só a aquilo que gosto, assumindo a burrice crônica ao que não interessa. Escalar uma sequoia, que trabalho, leva uma vida!

Mas agora que subi, olho para baixo pensando: E se caio? Se caio, são mais cem metros de conhecimento. E lá embaixo, todos os ossos quebrados, sei tudo o que preciso, sobre queda, sobre parábola, sobre a morte e sobre tudo, tudo o que me interessa. Se caio, é de cabeça.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Ode ao corinthians



Sou como os cem milhões de brasileiros que não os trinta errantes: Odeio o corinthians! Sim, sou como cada um destes cem que tem motivo nenhum ou qualquer motivo torpe para o ódio. Mas, mea culpa universal, que motivo mais justo para o ódio que motivo algum?

Por isso então odeio, e é de coração! Sincera e verdadeiramente odeio! Com intensidade maior, às vezes a alias, que alguns de meus amores mais puros. Mas, nos dias de hoje, tornou-se inútil e desisti de encontrar razão para isso. É apenas para ser assim e ponto!

Noutras ocasiões tentei justificar o sentimento em alguns torcedores mais exaltados, depois pela marra de um ou outro ídolo arrogante e presunçoso, aí a inveja pela imensa massa apaixonada e, mais recentemente, a soberania sem fim sobre meu time.

A verdade é que no Brasil, o clube do parque são Jorge não é um clube qualquer, é uma instituição nacional que se escolhe amar ou odiar. Escolhi convicto o lado do ódio e não me arrependo (rendeu muitas alegrias). Até que hoje me caiu a ficha do grande dilema:

Libertadores da América! A menina dos meus olhos, nossa eterna namoradinha agora em braços corinthianos, dançando essa dança inédita em plena terceira idade. E o pior, envolvida nos passos brutos e feios da retranca. E eu, enquanto isso, assistindo atado ao baile.

Pois do contrário, para estragar a festa, só se tango! E tango, apesar da beleza, não dá! Não outra vez! Pois eis o maldito dilema: corinthians ou boca? Roto ou rasgado? Passei algumas horas sem dormir (poucas, que tenho mais o que fazer!) pensando a respeito.

Se corinthians, cai finalmente meu último porto seguro e nada mais terei na manga para dissimular a inferioridade atual do meu Soberano. Se boca, boca... Mais um argentino no topo. Mais uma vez o pior deles. O cortinthians portenho e intercontinental.

Pelo menos no primeiro duelo, paz. Pena que não dá para ser assim para sempre, pena! Hoje, mesmo se empate, alguém leva a droga do caneco para casa. Dentro de instantes, logo menos. A mim, resta pouco senão a anestesia do álcool e a esperança de dias melhores, ano que vem.

Porque não há resultado que me faça feliz essa noite, pelo contrário! Mas, contra os prognósticos, tomei uma decisão: Vai curintia! Faça sua obrigação e sepulte de vez a birra que provoca em todos nós, das outras delegações. Enterre o boca e toda a prepotência argentina.

Vai curintia! Ser campeão da libertadores, que o mundo está a seu favor. Vai curintia, pelos grandes amigos errantes que aprendi a ter e porque não sei mais como lutar contra. Mas não se esqueça, nunca e por favor, que meu cooperativismo hoje é só meio tempo no ódio.

Porque, de amanhã em diante, é vai curintia, e você sabe bem para onde!