domingo, 28 de setembro de 2014

Ego e Obrigado! Tchau!


Enquanto eu falava, visceral e hemofágicamente, pesados sacos de areia despencaram do alto e grudaram o veludo vermelho partido, um no outro, sacramentando o fim do medíocre e egocêntrico espetáculo. O show acabou, meus amigos, e não há nada mais para se ver por aqui.

O pouco que havia a ser dito, dito foi e, qualquer mais, é carência descarada ou, indiscreto pedido de socorro. De uma forma ou de outra, coisa feia! Tão, que soa falta de educação. Por isso, preservando-me um pouco, despeço-me, na escuridão das cortinas que se colidem em fim.

Embora, no meio do argumento e, muito embora, na opacidade do espelho de alguns holofotes. Creio que a máxima exposição (recente, pois, do ato anterior) seja suficiente para a vida de comodismo que virá, já que medíocre no sangue AB+, tanto quanto e nos versos C-. Parei!

Estou à beira do colapso, confesso. No deprimente limite de onde posso chegar, por isso, convalescente, reconheço atingir, depois de tanto esforço, mil léguas menos (ao menos) que pretendia, com minhas pretensas remadas. Morro débil, com mais água que ar, nos pulmões.

Por isso interrompo o semi-autocêntrico-monólogo, enquanto restam aplausos (dispersos e furtivos) na corriqueira plateia. Obrigado, minha gente! Não renego, nem mesmo alcoolicamente adulterado, o combustível que me propulsionou por (quase) cinco anos.

Quem diria! Quem, próximo a mim, diria que qualquer algo resistiria quase cinco anos no âmago das minhas sinceras vontades. Pois, vomitar meus pequenos literalismos ao mundo, resistiu tempo o suficiente para orgulhar-me do meu fracasso e, assim sendo, bêbado, brindo a mim!

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O Último Humano


Recuperava-se da primeira metade do dia mastigando, com dificuldade, um sanduíche frio. Concluiu que tudo era números. O mundo andava tão calculado e frívolo que a vida tinha se tornado mecânica e, o ser humano, convertido, finalmente, em máquina. E engasgou.

Seu sanduíche de baixas calorias parecia pesado, e tinha um gosto amargo. Seu terno de linho, de milhares de dólares, queimava seu peito e, a gravata de grife o estrangulava. A pressão subiu e já era hora de voltar ao pregão. “É tudo números!”, reiterou enquanto a bolsa despencava.

Bilhões foram para o ralo naquela fatídica manhã. Dólares e pessoas. Alguns poderosos, milhares de acionistas, milhões de operários. E Jesse. Jesse faliu meia América com uma única decisão. “São só números...” – Amenizou. “É tudo números!” – Confirmou, implacável, o ex-chefe.

Da rua, assistiu seus semelhantes indo e vindo de cabeça baixa, apressados. Imersos em seus aparelhos eletrônicos multifuncionais. Apenas ciborgues, desconectados da dilacerante angústia de Jesse que, rompendo o protocolo, mirou a imponente escultura metálica à sua frente.

Mergulhou de cabeça, violentamente, nas nádegas maciças do touro que exibia seus lustrosos bagos de metal, e explodiu o crânio em mais de três toneladas de puro bronze. Aterrizou agonizante, em seguida, jorrando seus miolos pela tumultuada Wall Street.

Absorto em sua própria convulsão, flutuou na imensidão negra que se encontrava e, com a energia de seus últimos espasmos, propulsionou-se para muito longe da Terra. O rosto desfigurado, não foi capaz de demonstrar, mas, por dentro, na alma, sorria. Aliviado, liberto e humano.

sábado, 20 de setembro de 2014

Outreu


Chegou a mim com a despreocupada pompa dos que não se importam - ou fingem - estar acima das carências de atenção daqueles que, na nossa idade, querem quase nada que não, só isso. Apresentou-se amigavelmente: “Carlos Francisco, mas, me chama de Carlão!” – Assim o chamei.

E rebati: “Carlos Francisco, mas me chamam de Chico...” – O nome, sim, era tão o mesmo quanto todo o resto. Exatamente! Carlos Francisco, o outro, tinha a minha cara em cópia, como todo o resto, na fisionomia. Acabamos amigos, porque, afinal, era impossível não ser amigo do Carlão!

Sujeito boa praça, polido, querido. Pensava comigo que, a bizarra versão melhorada de mim. Conversávamos muito e, sem que eu percebesse, estudava meus jeitos, meus métodos e hábitos. Apresentei-o à minha vida e, as pessoas, claro, adoraram-no irresistivelmente.

Não levou tempo algum até que eu, Chico, me convertesse a coadjuvante naquela dupla gêmea. Apócrifo do meu próprio círculo social. Carlão estava em todas. Indiquei-o a assistente na minha repartição e logo assumiu meu posto, consolidando o anonimato que já me era habitual.

Da mesma forma, arrebatou minha maravilhosa vizinha, paixão antiga que, francamente, nunca me deu bola. Até meus pais (PAIS!), estimavam o Carlão como o filho que nunca tiveram. Com tudo isso, toda a minha mediocridade escancarada, decidi, complacente que era a hora de partir.

Éramos tão próximos e iguais, que apenas deixei-o a cargo dos meus compromissos. Carlão imediata e primorosamente assumiu minha identidade de forma que ninguém deu falta da inutilidade minha. Ele mesmo, solicito que só, indicou meu destino, até o fim dos dias.


Tratava-se de uma espelunca, a muitas milhas de qualquer lugar, onde os hóspedes eram todos a versão errada de si. O ambiente parecia hostil no início, mas, eventualmente na televisão, o “outreu” de algum deles dava as caras, bem sucedido. E nesses dias, em festa, vibravámos todos!

domingo, 14 de setembro de 2014

Juca, Fruteiro


O Juca era um cara simples, desses que a gente chama de simples para não chamar de chucro. Juca era chucro, e essa era a verdade. Ele tinha uma quitanda humilde, em um bairro nobre, que recebia todo o tipo de gente. Era um cara simpático, apesar de discreto. E eu gostava disso nele.

Num dia desses, um dia qualquer, um casal à beira da terceira idade, discutia as injustiças do mundo quanto a noção de maturidade entre os gêneros. Estavam bem à minha frente, entre Juca e eu, escolhendo suas frutas e legumes e, divagando suas aflições a quem quizesse ouvir.

Era inevitável ouvir, ela dizia: “Acho ultrajante que envelheçamos, enquanto vocês, amadurecem! O mundo trata de nos empurrar à cova e ascendê-lo à sabedoria!~ - Creio que quem a ouviu, compactuou do desabafo. O patriarqusimo do mundo é triste e incontestável.

Mas o homem, prontamente, replicou empunhando uma tenra manga: ~A meu ver, tratamos os gêneros de forma diferente. Enquanto vocês são frutas, que logo atingem sua deslumbrante e suculenta maturidade, somos como garrafas de vinho, desprezadas até que se envelheça ~.

Nos entreolhamos envolvidos pelo diálogo. Juca, ao contrário, fazia seu trabalho de indicar e pesar os itens aos clientes. “Mas eu quero ser vinho, mereço ser vinho, não acha?” – “Acho! Acho sim, mas o mundo é o mais cruel dos articuladores. Talvez nossa netinha dê sorte...”.

Ela concordou decepcionada e, todos nós, nos decepcionamos um pouco. Juca não, manteve-se sereno. Na minha vez, apontei um cacho de uvas e ele, com sua indefectível discrição, provocou-me: “Sabe, o sujeito estava certo, homens são como garrafas de vinho e mulheres como frutas!”.

Espantei-me com a afirmação e não dissimulei. Ele logo emendou: “Mas quando um cara não envelhece ao lado da sua mulher, a mulher de uma vida, acaba garrafa e só. Oco e de vidro. É que o vinho, meu amigo, é fruto da fruta!” - Juca era um cara chucro, que sabia das coisas.

domingo, 7 de setembro de 2014

O Calor da Fé


No meio do deserto. Me sinto abandonado, bem no meio do mais extenso e árido dos desertos. Vagando cambaleante, dia e noite, a procura de qualquer gole dágua ou resto de comida que prolongue a vida e alimente a esperança de dias menos arenosos. São longos e solitários dias.

Logo adiante, um suculento cacto repousa com seus espinhos compridos e crocantes. O miolo tenro, aquecido pelo forno solar de quarenta e oito graus celsius, me lembra o delicioso assado que minha mãe costumava fazer aos domingos. Hoje, os domingos em casa parecem longe dali.

Da base mastigada do meu almoço, emerge uma adocicada e cristalina porção de água, o mais puro dos elixires, não abundante (nunca é), mas suficiente para hidratar, por mais alguns quilômetros, os pulmões maltratados pela areia fina ao redor. Sigo minha falida jornada.

Já nem sei mais em que direção, há tempos que me sinto andando em círculos. Creio, inclusive, já ter devorado o mesmo cacto algumas vezes. Regenerado e, irônicamente mais corpulento que eu, apesar das cicatrizes evidentes da minha dentição. O cacto parece não se incomodar.

Mesmo assim eu peço licença, toda vez, e agradeço no final. Como que cortejando-o por alimentar minhas esperanças, muito mais que o corpo. A areia fofa e escaldante, destrói minha articulações e grita, a cada passo meu, debochando da minha fé, no assado da minha mãe.

Passaram-se muitos anos e, a essa altura, minha mãe já deve ter morrido. Meu corpo está velho e cansado. Foram milhares e milhares de quilômetros sem rumo, e já não lembro como me meti nessa enrascada. Começo a pensar que é hora de desistir, mas, antes, veja. Um cacto, suculento!