quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O Último Humano


Recuperava-se da primeira metade do dia mastigando, com dificuldade, um sanduíche frio. Concluiu que tudo era números. O mundo andava tão calculado e frívolo que a vida tinha se tornado mecânica e, o ser humano, convertido, finalmente, em máquina. E engasgou.

Seu sanduíche de baixas calorias parecia pesado, e tinha um gosto amargo. Seu terno de linho, de milhares de dólares, queimava seu peito e, a gravata de grife o estrangulava. A pressão subiu e já era hora de voltar ao pregão. “É tudo números!”, reiterou enquanto a bolsa despencava.

Bilhões foram para o ralo naquela fatídica manhã. Dólares e pessoas. Alguns poderosos, milhares de acionistas, milhões de operários. E Jesse. Jesse faliu meia América com uma única decisão. “São só números...” – Amenizou. “É tudo números!” – Confirmou, implacável, o ex-chefe.

Da rua, assistiu seus semelhantes indo e vindo de cabeça baixa, apressados. Imersos em seus aparelhos eletrônicos multifuncionais. Apenas ciborgues, desconectados da dilacerante angústia de Jesse que, rompendo o protocolo, mirou a imponente escultura metálica à sua frente.

Mergulhou de cabeça, violentamente, nas nádegas maciças do touro que exibia seus lustrosos bagos de metal, e explodiu o crânio em mais de três toneladas de puro bronze. Aterrizou agonizante, em seguida, jorrando seus miolos pela tumultuada Wall Street.

Absorto em sua própria convulsão, flutuou na imensidão negra que se encontrava e, com a energia de seus últimos espasmos, propulsionou-se para muito longe da Terra. O rosto desfigurado, não foi capaz de demonstrar, mas, por dentro, na alma, sorria. Aliviado, liberto e humano.

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