domingo, 29 de janeiro de 2012

Ode à Minha Casa. Onde é Minha Casa



A duplicidade das coisas. De tudo na vida. Pois, há algo por aí que, de tão concreto, não permita duvida quanto sua singularidade? Não na minha vida, pelo menos! Especialmente quando se trata de origem. A origem minha, oras! Por isso apresento-lhes o devaneio do dia:

Campinas X São João da Boa Vista

Covardia, se pensar em todos os aspectos tradicionais de comparação entre municípios. Mas não se trata de métodos tradicionais de comparação, aliás, não se trata nem de comparação! Mas vou seguir adiante, sem recuar, simplesmente porque gostei do parágrafo anterior!

Carrego Campinas no coração, como um filho carrega o pai ou vice-versa. A cidade que amo independente de credo, futebol, política, ou cultura. Mas nem tão filho imaturo que não reconheça seus defeitos. E nem tão rebelde que os assuma acima do amor singelo e puro.

E tenho São João também no coração como se predestinado a desposar, obediente, uma desconhecida do condado vizinho. São João me foi imposto desde muito cedo, e aceito no mesmo instante. Gosto daqui porque fui acolhido como só aqui. Meu refúgio e fortaleza.

Em Campinas, guardo boa parte das minhas memórias. Boas e ruins. Formadoras de mim. Conheço pessoas, bairros, ruas, atalhos. Coisas que ninguém sabe. Sei me encontrar e sei me perder. Meus olhos, preguiçosos que só, se dispersam em meio à sonolenta rotina campineira.

Tenho a quem ligar se solitário. Onde comer se faminto. O que assistir se pipópico. E onde me culturar se acultúrico (tarefa mais árdua por lá). Tenho absoluta confiança e nunca, juro, nunca fico em casa pela desopção (mesmo que não as melhores, umas e outras que valem a pena!).

Em São João, outra história! Sei nem o nome da rua onde me hospedo (casa do espontâneo e “professor pardal” avô)! Pouso sempre pela inércia das repetidas visitas e a deslocalização, hoje, é o grande xodó! Aqui me sinto livre. Dos nomes, das obrigações, das regras. De mim.

Quando em São João, deixo de ser eu e me torno eu. O mesmo eu, mas outro eu. Um eu que pratica à exaustão, e na praça central, a coisa oposta do eu de lá, para enfrentar (e educar) o eu de sempre e fortalecer o eu que pretendo um dia. Desapressado e, em sintonia, aqui e lá.

Mas não deixo minha terra por nada (acredito!). Criei laços que, feitos e desfeitos, viraram nós. Que me entrelaçam e prendem deliciosamente. Ouvi uma vez que, um homem sem origens é um homem sem destino (mentira, eu inventei, mas cabe!). Por isso eu aqui. E as origens!

E, quando digo eu aqui, é em São João. Meu lado de lá. O amor pelo desconhecido. Pelo passado que não me cabe e não me importa. Aqui não criei laços. Nada que me prenda, senão a liberdade do desprendimento. Juro que até livre para o naturismo, se bêbado o bastante!

Enquanto que, na terra madre, cheio de ressalvas e reputações. A paz do lar e o enfado da honra. Os sorrisos falsos, os diálogos frios. Mas os verdadeiros amigos, é claro. E o aconchego de ser reconhecido à rua. A supressão de uma carência muito, mas muito, específica.

Já na casa do avô, visitante. E da casa, sentado à praça. Chapéu na cabeça para olhos furtivos, desconfiados. Cumprimento fugaz e nenhuma chance de ser interrompido (conhecidos, assaltantes, qualquer um). E o texto que flui, vinte minutos, depois do início despretencioso.

É em São João que volto a mim. Menino, sonhador, sentimental, carente. Aqui eu choro (delicada confissão), sorrio, reflito. E me isolo. Porque este sou eu: Frágil, isolado e só. O polo positivo da sociedade positiva (Não nos atraímos). Mas em paz comigo, apesar dos conflitos.

É aqui que sinto falta de tudo. São João me isola de tal forma, que faltam até as pessoas. Os amigos, a família. É só aqui, em um só dia, que consigo sentir falta da falta das coisas que Campinas (não) oferece. O teatro, o envolvimento, os demais, o engajamento.

São João tem teatro municipal mas não tem nada. Os piores filmes, na única sala de cinema! E São João tem uma coisa que só São João tem: A capacidade de me permitir perpetuar o amor por uma cidade que não me oferece nada em troca, senão o que eu garimpei com meu suor.

Já Campinas carece de um teatro, ao mesmo tempo que oferece quase nenhuma alternativa a isso. Mas Campinas me dá (e isso é capricho dela): Tati, Slope, Ruiz, Eliel, Miss, Cenoura, Paulitcha, Enoc, Gonzo, Pri, família, e uma vontade incorruptível de não querer outra coisa!

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Clichê 3.0


O grande sinal é o espelho. Quando você olha para ele e percebe que algo está errado. Algo é você! Mas nem tão errado que te confunda o propósito. Afinal o propósito é, também, você! E, ainda que insosso, corra! Melhor você perceber a tempo, que ser avisado tardiamente.

Pois, se vierem lhe reclamar imperfeito, assimétrico e infértil, tarde demais. Aí é simpatia em demasia e, da sobra se espreme o lucro. Mas quanto derrotismo na acomodação da sobra! Toda a insegurança do mundo e você admitindo de bom grado o que a sobra lhe oferecer?

Há algo de errado, é evidente. Todos por aí se encaixando e você à espera do que te cai no colo. Porque colo ocupado é mais pesado que colo vazio. E de agora em diante é por peso... Nada disso! Apesar dos atributos (ou a falta deles), não há passo mais largo à frente que a confiança.

E confiança-auto. Dela toda no bolso, de sobra, pingando pela rua, manchando a roupa. Que importa um nariz grande, se bom argumento; barriga saliente, se carisma; estrabismo, se inteligência. Traços lotéricos e músculos definidos são acessórios. Importa só o que importa.

Porque quando o tempo vier cobrar a beleza que a sorte lhe presenteou, será tarde para o desapego. E aí Botox, bisturi, cinzel e enxada. Mas tanta intervenção não dura. Aí loucura. Ou suicídio, depende do colhão. Mas cedo ou tarde, a terra come. Os belos e os feios.

E antes que deteriore o cérebro você perceberá – é sempre antes, para que se sinta o amargor do equívoco – que tanto capricho é nada senão pura vaidade. E necessidade de provar aos demais o volume do arrebate. Cem mulheres, mil, todas elas. O maior dos garanhões.

E quando a vida passa. Faltou uma. Uma só. Ela! A que vale por todas as outras. Ao alcance, mas, despercebida na pilha irrelevante de muitas silhuetas. Aquela que lhe acaricia a pança com excitação, que lhe toca o nariz onomatopaicamente e que, afinal e apesar, te ama.

Mas é só na atrofiação do órgão que você percebe ser aquela! E então calcula se o vazio do fim dilata o precipício do meio. Ou se apenas ponte (ao volume acumulado).  A vida não é amor, caros, mas, confiança. Nos erros e nos acertos. Na certeza da irrelevância dos arrependimentos. E só!

domingo, 22 de janeiro de 2012

Quem Alimenta


Quilômetros adentro de uma inóspita Amazônia além-fronteira, os finos troncos crescem abundantes, escondidos sob as espessas seringas, quase virgens da mutilação humana. Seringas que não atendem o submercado local, senão pela pura dissimulação comercial.

O cuidado meticuloso com as folhas, artesanal e quase artístico, alimenta uma beleza improvável, coletiva e gentil. Tanquanto clandestina. Homens, mulheres e crianças. Famílias inteiras, dedicadas à natureza extraordinária daquilo que brota divinamente do solo fértil.

Juanito colheu seu primeiro lote no último verão, agora se prepara para desbravar sozinho a mata selvagem e despejar suas primeiras sementes. Os pais se orgulham. Os senhores e os capatazes. Há um futuro brilhante à espera daquele garoto de raízes indígenas, tão dedicado.

Perto dali, uma dúzia de homens amargurados se encarregam da subtração material daquelas folhas, meticulosamente colhidas por mãos familiares que, inocentes em absoluta conveniência, já não têm mais importância nessa história. Nem sequer o promissor Juanito.

As folhas, às toneladas, desidratadas pela desconexão com o solo, pelo confinamento escuro de um buraco úmido, pelo querosene e o ácido, e pela inocência indígena de um pequeno garoto, derretem-se em uma pequena porção amarelada e malcheirosa. Subvertida.

Se mistura ao talco e se multiplica, tentando purificar falsamente uma perversão contra a natureza das coisas. Da própria natureza. Torpe. Adquire a textura sutil e leve de uma nuvem, comprimida e empacotada. Bem menos rude. Bem mais atraente. Quase desejável.

Atravessa a floresta, a fronteira e o país, fundida a corpos transitórios e se desprende segura, dos orifícios mais profundos do corpo diretamente aos orifícios mais profundos da capital. Se espalha pelas entranhas mal vistas da grande metrópole e evapora rapidamente.

Por classes bem mais privilegiadas que a do pequeno Juanito, e que a dos doze homens amargurados, e que a dos corpos transitórios (maculados por tão pouco). Classes abastadas e alienadas que, protegidas pela história, dispersam a soberania por veias grossas de um azul real.

sábado, 14 de janeiro de 2012

A Couve-Flor


A fila no banco. O Serviço de atendimento ao consumidor. A pré-estreia do filme do ano. Os quatro, cinco, seis anos de faculdade. E, claro, o amor. O sinal vermelho. O fim do expediente. O apito do micro-ondas, e o do juiz. O reveillon e todas as contagens regressivas da nossa vida.

O tempo que perdemos esperando. Por tudo isso. Por tudo. Esperando a vida, na esperança dela tomar nossas rédeas e nos guiar a algum caminho que, de quebra, é melhor que seja logo o melhor. Tarde demais quando percebemos a falta absoluta do caminho à frente.

Aí já estamos muito velhos e ranzinzas para reassumir o controle. Cansados demais para lutar pelos sonhos de quando jovem. Sonhar é coisa de moleque! Nem trinta às costas e já velho demais para a vida. Se não há tempo a perder, perder o ontem é o trem que parte da estação.

E cada um de nós, sem as passagens, acenando (lenços vibrantes) patéticos e desmilinguidos à falta de autonomia para o que vem a seguir. E é nesse ponto que a vida assume a exata condição de uma... couve-flor. Apática na textura, no sabor e no impacto que causa ao redor.

Pois, afinal, que impacto causa uma estúpida couve-flor? Ridículo bonzai albino! É apenas disso que se trata. Porque não importa se couve aos oitenta, cinquenta, trinta ou doze anos. Uma vez couve, é bom se despedir do trem que já abandonou a estação com seu assento vago.

Então, em verdade lhes digo, quando a vida lhe metamorfa vegetal, assuma seu posto! É hora de enfrentar a panela e alimentar bocas mais famintas. De arte, de conhecimento, de revoluções. Bocas que vão se lambuzar até os ossos, e com vontade, da vida que você negou.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Clichê 2.0


Venho tentando. Com todas as invenções estapafúrdias que a situação pede, insisto, venho tentando. Mas ô coisinha difícil de ser essa que me consome no ócio e nalgumas horas de sono. Nem o porão escuro da minha cabeça notívaga tem tido êxito. Apaguei!

Todo mundo ao redor chegando lá, procurando aqui, esperando acontecer ali e, de uma forma ou de outra, cedo ou tarde, de mãos dadas com a coisa, esfregando-me na fuça o sucesso da operação. Daí eu aceno, tapado e só, a competência magistral de perder o passo na estrada.

Caminhando vendado, vendido a uma ilusão sólida que construí desatinado nos últimos tempos. Lá se foi minha alma, no encalço da inocência. O encanto das bobeiras pequenas, diminutivas, das frescurinhas pares que não faziam qualquer sentido, embora tão sensatas.

Quando outra vez? Amanhã! Logo! Ainda hoje, talvez... Nas telas (grandes e pequenas), nas praças e nos corredores mal iluminados dos passeios públicos. Qualquer lugar que não aqui, dentro de mim. A angústia pela ausência do que pretende não mais vir...

E que não virá mesmo, pelos olhos preguiçosos da visão ou pelas orelhas surdas do cochicho. O coração que hesita em palpitar mais forte que os cento e quinze pulsos por minuto. Nenhum deles voltado ao passado remoto e doce dos cento e cinquenta e quatro suspiros.

Há quem espere. Quem me espere. E quem siga remando adiante, feliz, aquém da minha incompetência para o nado. Pois, lhes digo, nenhum metro a frente vale mais que o próprio. E a felicidade alheia é também a minha, eu diria, se minha triste sinceridade permitisse.

Mas me deixe de canto que passa. Essa debilidade para a sustentação do corpo, físico e mental. Frescura pouca essa da necessidade do abraço, do afago sutil na porta do bar. Do elogio ébrio ao talento primo à exclusividade. As mentiras brandas que deveriam confortar.

Mas nada, nenhuma palavra ou gesto serve de consolo à ausência do etéreo impreenchível. Porque há terra demais soterrando o passado. E um futuro profundamente desprotegido, que suplica pela proteção arenosa à semente da surpresa. “A Deus pertence”, pois, longe de mim...

Ofereço então um brinde! A todas as minhas frustrações e ao meu espírito derrotista. A esse talento nato para o fracasso. E, principalmente, ao medo. De ir adiante, disposto a falhar, mas, da mesma forma, de desistir de vez, fazendo deste suplício o último. Saúde!