Muitas das boas iniciativas culturais, pública ou privada, acabam esbarrando na falta de bom senso do principal alvo: o público! Eis que a rede Cinemark dedica um dia de sua programação para exibir filmes brasileiros a preços mais que populares (R$2). Incentivo puro!
A campanha Projeta Brasil acaba de cumprir seu décimo segundo ano e deve ser a quarta ou quinta que eu participo. Quase sempre a decisão é de última hora, considerando o delicado dia da oferta: segunda-feira! Entretanto hoje, dia sete, estive eu na poltrona da unidade campineira.
Pela decisão súbita, com menos de trinta minutos para o início do filme, me preparei para enfrentar emoções guérreas nos corredores do shopping. Previ filas longas, muito barulho e problemas para estacionar o carro. Curiosamente, foi só o que funcionou. Além do filme, em si!
Capitães de Areia, a propósito, de Cecília Amado, mas eu já chego lá. Por enquanto as assombrosas surpresas da chuvosa noite do Projeta Brasil. Tudo foi bem no inicio, como já antecipei. Carro bem estacionado, ingresso comprado e assentos livres em todos os cantos.
Logo que as luzes se apagaram, reparei um barulhinho chato de pessoas que, descalças, despreocupavam-se com os demais contando amenidades do dia e da chuva. Pensei: Será difícil! Mas logo o áudio atropelou os timbres inúteis e pude me dedicar apenas à tela branca.
A publicidade veio direto à tela e frustrei-me com a falta de trailer (isso não se faz, eu quero trailer, muitos trailers!), mas tudo bem, eu confiava na obra, que viesse logo! Mas de tão logo, surpreendeu os menos apressados que, com o filme começado, decidiram finalmente entrar.
Nos primeiros dez minutos de filmes entrou mais gente na sala que nos trinta que antecedeu o início. Mas sem crise, não quero ser o tipo de ranzinza que, inclusive, não cede passagem (já estive no lado de lá da situação (sempre, aliás! (embora, me defendo, só durante os trailers!))).
Enfim, todos posicionados e, minha estratégia de sentar-se à frente de uma poltrona vazia para não ser chutado durante a sessão foi por terra, a sala encheu! Durante o acomodamento já tinham me chutado duas vezes! Até aí apenas um desafio à minha tolerância, sempre fui!
Porém, algo me desconcentrou: “Como chama o filme, amor?” - perguntou uma desavisada. “Os reis da areia” – confiou o namorado. DEUS! O NOME APARECEU FAZ CINCO MINUTOS! E ESTÁ IMPRESSO NO INGRESSO! E VOCÊS TIVERAM QUE PEDIR À BILHETEIRA! Como faz isso?
Mas logo eles cessaram a conversa paralela e, junto comigo, se entregaram a Pedro Bala e seus Reis da areia, digo Capitães! A obra, aliás, figurou na minha interminável e compulsivamente renovável lista fílmica há pouco, mas, nos desencontramos entre uma pipoca e outra.
Por sorte tive essa oportunidade e, terrores à parte, apresentava-se à pena válida! É uma história muito baiana, do painho Jorge Amado (e eu devia ter lido mais Jorge, pelo menos um Jorge. Mas, admito, sou um fracasso!) e retrata meninos malandros crescendo nas ruas.
O bando, liderado por Pedro Bala é uma espécie de família/comunidade marginal que precisa lidar com conflitos infantis, juvenis e adultos ao mesmo tempo. Têm sua estrutura abalada em dois momentos: Durante a epidemia da Varíola e quando a primeira menina entra no grupo.
A primeira situação desencadeia uma ruptura que afetará o eixo do grupo bem lá na frente e a segunda dá substância e contexto adolescente à trama, além de provocar um inevitável triângulo amoroso, mas não machadiano, apenas adolescente e complacente. Nada corrosivo.
A direção de Cecília (neta do homem, diga-se de passagem) é bastante primorosa e convincente. Não sei se dirigiu outro algo que eu tenha vista (e estou com uma preguiça de descobrir...), mas apenas por Capitães de Areia, garante meu voto de confiança para o futuro.
Por um lado parece fácil dirigir uma história que pôde ser contada pelo próprio autor, querido. Por outro, está estampado na tela o cuidado com uma Bahia lindamente descuidada, dos anos 50. A fotografia é linda, os cenários. As impressões e expressões dos personagens.
Mas de pecado, apenas a atuação. Algumas! Jean Luís Amorim tem uma feição incontestável para o papel do Pedro Bala, mas verbalmente demora a crescer e o texto enrosca em insegurança. Jordan Mateus e Israel Gouvêia vão bastante bem com Boa Vida e Sem Pernas.
Mas é Ana Graciela que segura a melhor atuação mirim. Acaba também denunciando algumas falhas de insegurança, mas, que não prejudica o personagem. E até Zéu Britto, figuríssima do cenário músico/cênico nordestino frustra com um pequeno papel e uma atuação discreta.
E a trilha, coordenada e maestrada pelo maior expoente da música baiana, Carlinhos Brown, vai muito bem! Entre cânticos no universo africano sampleados, sambas de raiz (entoado por Zéu Britto) e o tom grave de Arnaldo Antunes, a trilha sonora é uma pérola à parte!
Mas aí o filme que já havia convencido, resgatado em mim um amor abalado por uma Bahia hipotética de outros carnavais, e atingia momentos de clímax. Quando o terror voltou a sondar! No ápice do drama, durante a execução de um ritual de candomblé, o improvável:
Um ímbecil lá de trás da sala, totalmente equivocado, começa a gargalhar como se assistisse a um filme completamente diferente, debochando ignorantemente de uma cultura riquíssima do nosso país e incitando outros idiotas a aceitar o riso alheio como graça instituída.
Seria covardia duelar de qualquer jeito com uma toupeira desse calibre (só se xingando muito no twitter!), por isso, respirei fundo e me concentrei no fim do filme. Que acabou bem, felizmente. Não bem BEM, mas bem, com méritos! Aí, lancei ouvidos nas impressões alheias.
“Não sei, mas filme (falado) em português não convence!”, ou “Não é um filme de cinema. É ótimo, mas se tivesse custado mais eu nem vinha!” – Interrompi a investida chocado, constatando que, a iniciativa é boa e o resto, pura boa vontade! Chato aqui, só eu!