sábado, 12 de novembro de 2011

A Seta no Alvo


A visão turva e embaralhada me transtorna ainda mais. O suor se prolifera no alto da testa e escorre face abaixo, colado à pele, serpenteando a roupa e estacionando no peito do pé desnudo. O chão em brasa, me apressando. O dardo incandescente, queimando meus dedos.

É a vida que tenta me alertar sobre o tempo que avança incendiário pelo pavio regressivo da própria vida. O tempo que passa por cima de todos os recursos que tenho: saúde, neurônios e disposição. Pelo medo em mim, foco no alvo, não distante dos olhos. Bem adiante. Logo ali.

Arremesso a pequena seta fumegante e acompanho com esforço a linha enfumaçada que ela projeta no ar. Conto com a mira precisa que nunca contei. O centro. O meio do centro. E eu ficando pequeno, idiotamente para trás, crendo que só o meio pode exterminar essa pressão.

Nem acima, nem abaixo. Ou para os lados. Se não o centro, tudo em vão. O dardo encerra sua trajetória e fura o alvo ruidosamente. Ouço a pancada, mas, lá de trás não enxergo onde fincou. Mero espectador, não sou mais eu nessa vida. Sou o dardo; o alvo a vida; eu o passado.

Fico lá, agitado pelo impacto, fincado fundo no tabuleiro da vida. Sem saber onde estou. Acreditando que o meio, o invisível e fracassado meio, é o melhor que posso conseguir. Torcendo por ele. Essa expectativa, mesmo que angustiante, se edifica, é esperança.

Do alvo, penso naquela figura patética lá de trás, aquela que enxergava apenas o êxito do centro. Tento entender o que a fez assim. O que me fez. Penso nos conselhos distribuídos ao longo do tabuleiro, digo, da vida. E o que eu fiz com cada um deles por todo esse tempo.

“Não se preocupe, isso é normal”`; “Ei, relaxe, acontece com todo mundo”; “Você não é um fracassado, só é uma pessoa como outra qualquer”; “Sabe quantas pessoas são capazes de um feito como esse? Apenas uma em um milhão!”; “Não querido, tamanho não é documento!”.

Eu e esse conforto na mediocridade. Esse flerte derrotista com a invisibilidade existencial. O que faço aqui? Vivo pelo último suspiro. E nem um passo além? Um tédio interminável esperar o derradeiro inflar dos pulmões, sentado no trono do apartamento, com a boca escancarada.

E a morte vai chegar! Me escondendo da vida ou me atirando a ela, vai chegar. No meio, nos cantos ou até fora do tabuleiro. Um dia a morte me encontra e tudo o que deixei de fazer estará deixado para sempre. E se houvesse inferno, uma eternidade de remorso...

Mas meu alívio, cravado na vida no auge da minha vitalidade, ainda vibrante pelo arremesso é que de onde estou jamais vou saber se meio, extremos ou fora. Sou dardo, não mais expectador e, apesar dos olhos voyeuristas, o ponto fincado é algo que está na minha cabeça.

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