sábado, 30 de novembro de 2013

Alma Gêmea


As vezes nos convencemos que existe sim, nalgum ônibus lotado ou qualquer outro buraco imundo, a tal da alma gêmea! A minha estava por aí dando sopa, e eu a encontrei. Acreditem! Não tem muita gente disposta a sair na noite para não conhecer ninguém. Eu tenho. Ela também!

Foi assim que aconteceu. Numa dessas noites, ela se esparramava no balcão de um boteco barato que eu costumava frequentar. Sozinho e sozinha. E bebia vodka com coca. Me aproximei com um copo baixo molhado e raso de whisky ruim. Não disse nada, só me aproximei. Por esporte, talvez.

Percebi que afastava todos os caras que se apresentavam. Ora mostrava o dedo médio, ora mandava-os à merda. Sempre decidida. Estava apenas tentando beber sua bebida sem conversa fiada. Cutuquei-a com as costas da mão: - Moça? - Escuta otário, vê se me deixa em paz, ok!?

- Foda-se! Sua bolsa tá no chão... - Ah, obrigado! - Foda-se! - E ficamos curtindo o constrangimento daquela situação mais um tempo, até que as bebidas acabaram.  Ficamos encarando os copos vazios, de braços cruzados, até que o garçom tratou de enchê-los.

Um whisky ruim dá, no copo, um efeito mais bonito que um whisky bom. É mais turvo, mais denso e oleoso. Tão artificial. Acho que é assim com tudo. O eterno esforço em ser aquilo que não é. Refleti calado. Enquanto isso, ela tinha voltado a descartar seus pretendentes bêbados e estúpidos.

Tinha nos olhos a exata expressão do desprezo. Como se cauterizada, depois de mutilada por um grande e verdadeiro amor. Até nossas cicatrizes pareciam sincronizadas. E estávamos ali, tentando  sacramentar a mesma busca pela solidão. Era, definitivamente, minha alma gêmea!

Eu tinha que fazer algo e, quando tive certeza que não me via derreter-se, paguei a conta. Só a minha parte. Peguei sua bolsa no chão (novamente) e, sem falar nada, pendurei-a na cadeira. Virei as costas e, apaixonado, fui embora sozinho. Depois disso, nunca mais apoiei os cotovelos no balcão daquele bar!

sábado, 23 de novembro de 2013

Vermes da Minha Vida


Tempos atrás, depois do banho, notei uma mancha, escura, estranha e brotada da noite para o dia no meio alto da minha bochecha direita. Era feio e muito feio, mas, até então, só feio. Percebi, após muito enxugar, que não sairia e, para preservar a vida social,  disfarcei com barba.

Funcionou por um tempo. Os pelos todos trataram de dissimular minha marca erijonhsoniana e preservaram o acolhimento que a noite me dava. A noite, sempre foi mais amiga e mãe que o dia. Até que um cheiro! Forte e fétido. Pútrido, na prática. Nem eu suportava lidar com aquilo.

As pessoas ainda me respeitavam, mas, não disfarçavam o nojo que era estar perto de mim. Lembrei daquela mancha e tirei toda a barba. Um buraco a havia substituído. Grande como uma boca. Colonizado por vermes, brancos e famintos. Determinados. Um deles olhou pra mim!

Me convenceu, com seus gordos filos, que o hospedeiro de toda aquela cena grotesca era eu. Que minha carne era mero combustível. Levou, ainda, muito tempo, até eu perceber que havia passado tempo demais. A cara já estava tomada por vermes e o corpo todo era um banquete.

De fronte ao espelho eu jazia, vivo e nu, vislumbrado com a atividade incessante dos meus pequenos parasitas. Havia beleza em assisti-los, proliferando-se e engordando às custas da minha ínfima vida. Eu morri, meus caros! E admitir isso é o ponto alto da minha existência!

Cedi mesmo. Porque julguei justiça maior na vida dos vermes que na minha. Havia propósito no que eles faziam e propósito nenhum no que eu fazia. Simples! Vida medíocre de escritório e supermercado não merece durar. Venero os vermes, tão belos e eficientes em me decompor.

Já não existo mais e não me importo, aliás, muito obrigado pela nefastia artística da despedida, vermes da minha vida.

domingo, 17 de novembro de 2013

A Densa Mata Baldia


Parece daninha, já que cresce irregular por todo o redor, espalhando a camuflagem que enegrece, vagarosa e precisamente, meu universo particular. Essa mata que protejo, dissimula um qualquer algo sombrio, já há muito escancarado nos traços mais óbvios do meu rosto.

Brota, imponente e irrefreável, do jardim da frente. Formando uma espessa barreira às trilhas projetadas a me guiar entre as flores. Não sou um entusiasta das flores. Não! Convalesço apenas por elas, coloridas e cheirosas e fincadas no chão, sujeitas ao abandono assassino do homem.

Por isso então, brota de mim a mata densa. Barreira, escudo e cerca. A negra mata do ostracismo e seus espinhos imaginários. O selvagem capim escuro que desconhece foice, enxada, rastelo e creme mentolado. Se espalha por cada poro e cada clareira, conquistando todo o território.

Vertiginosamente vertical. Dominando-me e abandonando-me de mim. Aí que reservo-me bicho. Ao arremesso dos restos, à presença dos ratos. Aos entulhos. Tenho cada vez mais, uma expectativa menor. Cresce o mato e vão-se as portas e portões. Ficam cobertas as janelas.

Até que só mato. E eu lá dentro, esquecido. Envolto nas grossas e rudes folhas de capim-preto (alguns albinos). Aí, enfim, baldio! Inculto, ou, analogamente, incultivado. Tão impenetrável que, em seguida, floresta! E finalmente não mais um insignificante terreno improdutivo.

Agora, propriedade ambiental! Patrimônio! Da humanidade! Sim, isso significa que de todos vocês! A improdução canonizada. A vida eterna que almejei com muito desleixo e falta de vontade. Enquanto penso, e desconverso, ouço o mato crescendo silenciosamente em mim.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Post Mortem


Tenho uma estranha relação com a idolatria. De aversão, quero dizer. Sinto, aliás, uma enorme desnecessidade em admirar qualquer dito cujo por quaisquer que sejam seus feitos na Terra. Mas me refiro, exclusivamente, aos massissamente admiráveis (da TV, internet, palcos e discos).

Uma pura mesquinhez, não hesito em confessar. Inveja grossa dos que chegam lá e agarram, com garras afiadas, os sonhos que são também meus. E que morrem sonhos, em mim. Aí dou pouca importância mesmo. Apenas pela arrogância de não ser eu, brilhando lá, no mundo real.

Já aos mais próximos, é justo dizer, guardo genuína simpatia quando das próprias realizações. E não por que estive lá, acompanhando de perto o que pretendiam fazer e fizeram, mas, por que estive lá, torcendo em ser alguma nota de rodapé na biografia, pela colossal influência exercida.

Aqui dentro, jovens, do lado de onde encaixoto sonhos que não realizo, dou confortável morada a uma criança insegura e egocêntrica, desesperada por atenção. Que se ampara comensal, feito rêmora faminta, no sucesso alheio. Afinal, claro, preguiçosa demais para si. Graças, amigos!

Aí eles morrem! Não, não os amigos! Esses firmes e jovens e fortes (mesmo os enfermos), mas, as celebridades. Essas, invariavelmente, morrem. E só então sou capaz de reconhece-los mito. Como Reed, por exemplo, meu mais novo ídolo Post Mortem. E levei só quinze anos para ceder.


Por que desde sempre esteve lá a banana wahroliana. E eu preferi outras coisas. Coisas tão menos sinceras que o Velvet. E que Lou Reed. Coisas, as vezes, tão estúpidas e vazias. Lou deu sua vida por coisas boas. Eu devia ter dado conta antes. Antes dele dar ao mundo, sua morte.

Lou Reed * 1942 - 2013

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Ah Se Eu Fosse Uma Toupeira!


Para que servem os olhos se, socadas na terra a vida toda? Cegas da calamidade humana. Iluminadas pela escuridão divina ante as frivolidades do homem. Eu que, irreversivelmente humano, e que, afortunadamente pouco míope, vejo, triste, humanos esbanjando humanidade.

Com seus (muy bien definidos) conceitos de autossuficiência e de fodessência aos demais que compartilham da espécie, bradando: “Tem mais é que se foder!” – Qualquer um e todo mundo, eles dizem: “Têm mais é que se foder!” – “Menos eu! Eu não mereço me foder nem fodendo!”.

Penso nas formigas em fila, nas hienas em bando, nas araras monogâmicas e, PORRA, tanto bicho se autocooperando e fui logo evoluir à espécie mais autocêntrica do planeta? Amebe-me! Planarie-me, ou, mamiferamente (que adoro leite), touperize-me! Me cave um buraco e deixa!

Deixa que lá embaixo tomo rumo. E vou longe. Cavo adiante e profundo, distante das guerras e disputas que dividem minha espécie prima. Aquém das estupidezas que definem meu reino, classe, filo, ordem e etc. Me permita levantar a fuça aos berros: “Eu sou uma toupeira!”. E é só!

Tem gente humana querendo megasena. Gente em busca de uma medalha de ouro e, gente desejando ser melhor do mundo nalguma coisa. Mas quem melhor que um igual a não ser que, exclusivamente, mais dedicado? E se próprio suor, só mérito pessoal e, nunca, demérito alheio.

Triste é o homem que crê na ilusória sapiência do poder infindável. Com aquela clarividência arrogante dos deuses. Formigas, hienas e araras reconhecem-se formigas, hienas e araras. Nós não. Nós, simplesmente, não nos reconhecemos. Ah se eu, cego, fosse apenas uma toupeira!