quarta-feira, 31 de julho de 2013

Cheiro de Amor


Gritei de longe, a largos e desesperados passos, que segurassem a porta. Já passava da hora! Apressado, mas, antes de me aproximar, vi dedos delicados esticarem-se e salvar meu atraso. Suspirei aliviado. Penetrei o elevador e sorri, com toda a minha cordialidade e débito eterno.

Estávamos sós. Só nós dois, presos àquele pequeno cubículo. Pressionei o quarenta e três e percebi que ela, deusa da gentileza e, por acaso, da beleza, desceria no quarenta e dois. Esses cinco minutos de atraso destruiriam meu dia, mas, com ela ali, sorrindo para mim, dane-se!

Eu ainda não sabia, mas, o sorriso cordial ainda sobrava em meus lábios, congelado no rosto. Vislumbrado e denunciado pelo grande espelho ao fundo. Tentei dissimulá-lo, mas, a beleza única daquela jovem ninfa ceifava qualquer tentativa de uma expressão menos apaixonada.

Foi amor à primeira vista! Uma vontade alucinada de cortejá-la por todos os cento e vinte segundos que teríamos juntos. Só nossos, naquele pequeno espaço metálico e espelhado. Mas me aquietei, e ela desviou o olhar. Espelho, painel, chão. Perdi-a em menos de um minuto.

Subitamente um cheiro. Indiscreto. Incômodo. Constrangedor. Como se algo em decomposição gritasse de dentro do intestino, querendo sair. Olhamo-nos profundamente nos olhos. Tenso. Só nós dois naquele claustrofóbico espaço e a vermelhidão escorria do rosto à sola de nossos pés.

Eu não podia crer. Decepção! Silêncio rompido: “Fui eu!” – Disse ela, zelosamente. Abracei-a e, conquistado, pedi que me beijasse. Sorriu outra vez e me osculou a testa. Despedimo-nos. Cúmplices, pois, só nós dois, apaixonados, sabíamos que, na verdade, não tinha sido ela!

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Meu Blue Suede Shoes






Tenho uma quantidade assustadora de sapatos no meu armário. Contei hoje, dezessete pares! Fiquei assustado, não sei como isso foi acontecer! Sou um homem simples, de hábitos comuns. É estranho, acho até que alguns nem me calçam mais. Ficam apenas lá, por piedade, talvez.

Dezessete pares! Espalhei-os pelo quarto e, lhes digo, ocupou boa parte do espaço. Uns estão até gastos, com aparência bem cansada. Mas outros, os que me assustam, poderiam bem voltar para a loja antes de calçar outros pés. Ninguém jamais saberia que estiveram aqui.

Não acredito que tenho tanto sapato. A propósito, digo sapato, mas, me refiro genericamente à capota do pé. Tênis, chinelos e todos os demais. Não sou desse fetiche! Tenho minhas fraquezas de consumo e não é segredo para ninguém. Mas me envergonha tanto sapato...

Fico observando-os espalhados e penso que, se os distribuísse aos meus amigos, ainda sobraria muito sapato! Meu Deus, tenho mais sapatos que amigos! Mas minha crise maior é perceber que, apesar disso, sofro por não saber onde foram parar meus blue suede shoes!

sexta-feira, 12 de julho de 2013

A Metade Exata



Tenho quase certeza de envelhecer na exata metade do tempo do corpo. E dessa vez não divago sobre a velhice, mas, sobre a juventude. Uma juventude pura e tão mais forte que as fibras e os músculos, pois, justamente, transcende o corpo que não hesita em se esvair.

Sim, os cabelos brancos e precoces que despontam daninhos por minhas têmporas não negam que a carcaça débil segue seu fluxo previsto. Só que a cabeça, nossa, essa é menina virgem e boba! Pré-adolescente. Esbaldo-me em erros e anseios juvenis, apesar dos trinta.

Porque quinze, se é que me entendem! Meu mundo de dentro gira a quarenta e oito horas por dia. Isso em dias agitados! Tem dias que a desproporção é maior ainda, pois, o corpo dura nem seis horas. Quando vejo, nem vi passar. O tempo só faz definhar o corpo e morremos...

Morremos de corpo, naturalmente. Com a cabeça assistindo, indefesa, que a vida acabou. Aos cem anos, se sãos, seremos jovens ainda. Porque cinquenta, no máximo. E quando digo que envelheço na metade do tempo, peço suas mãos e companhia, pois, todos nós juntos.

Não conheço um que vinte anos aos vinte, sessenta aos sessenta e, enfim... Somos metade do que vivemos, e sempre seremos. Penso no desespero de ter trinta anos. Corpo e cabeça, simultaneamente. Velho e chato, sem sombra de dúvidas. Quem é que quer uma vida dessas?

Acabo de debutar, jovens! Jovem! Na flor da idade e, apesar das sucessivas sessões de fisioterapia, jovem! Curioso e medroso da vida. Sem rusgas. Pai das minhas estripulias e menino outorgado ao erro. Vivendo a vida que me cabe. Caprichosamente, pela metade.

domingo, 7 de julho de 2013

Os Tijolos Amarelos Pelo Caminho



Tenho lá minhas dúvidas sobre a vida. Digo, da extensão dela. E me refiro à distância percorrida versus a intensidade diária. Será que são unidades de medida distintas? Se sim, preciso descobrir, afinal, qual medida devo usar nessa minha vidinha ora mais, ora menos.

Mas antes, tenho que descobrir se o ar respirado vale mais pelos anos ou pelos dias. Acho que é isso! E sou sincero em dizer que não sei se a beleza está no futuro, que faz do presente um eterno canteiro de obras, ou se no presente, que faz do futuro um longo túnel deseluminado.

Para mim (e não se trata de guruzismo e nem do mapa da mina), a vida tem um único objetivo, simples, simplista e com cheiro de clichê: Felicidade! Quer coisa mais idiota que esperar da vida, boas e opulentas porções de felicidade? Não! Esse é o tamanho exato da minha idiotice!

Mas nessa direção estúpida, qual caminho devo seguir? O da saúde para a longevidade? Ou do excesso para a intensidade? Gostaria de não precisar dissociá-los. Gosto da longevidade tanto quanto do excesso. Mas Deus, sempre gozador, parece tê-los colocado em direções opostas.

Apenas pelo capricho do dilema. Deus gosta de nos colocar em estradas bifurcadas. Sem apontar a direção correta, nunca! E ainda dá nome à coisa: Livre arbítrio, que nada mais é que o direito de errar por conta própria. Justo a nós, seres evoluídos, decididos e prontos.

Eu, por exemplo, sei bem o que quero, que é simplesmente saber o que quero. Mas calma lá, elucido a confusão da espécie garantindo e reforçando que quero saber o que quero, já sabendo o motivo maior da querência, que é a estúpida felicidade, lá do início do devaneio.

Por isso entendo (ou acho apenas, já não sei) e concluo, tão esclarecido quanto comecei, que o jeito de chegar lá é escolher uma direção e sorrir para os tijolos amarelos da estrada, satisfeito com o marasmo da longevidade ou com o frisson da intensidade carpediniana. Pronto!

Dei para criar frases ultimamente. Mas não pretendo disso um ofício. Essa, acho que é minha, mas não reivindico autoria. Apenas gosto e reproduzo, que é para engrossar o caldo do clichê: “A vida é muito curta para quem quer tudo. E longa demais para quem não quer nada”.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Talento à Queima-Roupa


Um quarto escuro e um silêncio abismal. Tão quieto que é possível ouvir o desespero mudo dos que habitam aquele quadrante vazio. Anônimos e invisíveis, aos outros. Atemporais, no escuro absoluto. O silêncio ecoa pela imensidão incalculável do quarto do “completo nada”.

Os braços se tocam, hostis. Ombros e cotovelos se empurram e se digladiam com truculência. Não que intencionem prejudicar o colega oculto de breu, mas, dispostos apenas a defender o próprio, na iminência dos disparos. Apesar do nada lá, tiros certeiros surgem esporádicos.

Clarões fugazes despontam do céu e cruzam, numa fração de segundo, o preto ao redor. Quase dá para ver o redor, mas, logo a luz atinge um determinado ponto e imediatamente está tudo preto outra vez. A sensação neste ambiente solitário, senhores, é desesperadora!

De repente, outro clarão! Os muitos, amontoados ali, tomam o mesmo susto ruidoso de todas as vezes e começam a se manifestar. Atiram-se uns sobre os outros. Se chutam e se mordem, tentando absorver o destino do ponto luminoso que, mais uma vez, atingiu onde quis.

E, como um meteoro alucinado, atropelou a cabeça de um deles, o desintegrando no mesmo instante. Novamente no escuro, milhões exalam a frustração de não serem atingidos na testa. Ou mesmo no peito, ou nas costas, em um dos braços ou, ao menos, de raspão no pescoço.

Todos ali, ocos de ideias, desesperados pelo lampejo radiante, aparentemente randômico, que surge nos céus e arrebata um deles. Nunca um qualquer, pois, apesar de ocultos, acaba sempre baleando um Picasso, um Tolstói, uma Woolf ou uma Nina. Nós, simplesmente, não...