sexta-feira, 28 de junho de 2013

O Herói da Ponte Vida Longa



Flutuam, como se voassem na água. Desfilam lentamente seus corpos sinuosos, rajados e brilhantes. Parecem despreocupadas. Não estão. Eu fico olhando de perto, bem de perto, sem entender o que querem dizer, mas, mesmo ludibriado pelo bucolismo belo dali, desconfio.

Desconfio que enclausuradas. Presas e indefesas. E meramente ornamentais. Realojadas do mundo próprio para um minimundo, estritamente visual. Definitivamente dos outros. Readaptadas a um pequeno espaço e submissas. Aos olhos e caprichos humanos. Estúpidos.

Estúpidas, entre pedras e plantas aquáticas. Um habitat tão falso que até mesmo os pardais zombam da clausura delas. Os pássaros vêm, se lavam na baixa água da piscina inatural, desdenham das carpas e batem as asas para longe dali, reverberando alto a própria liberdade.

As pessoas ao redor estão ocupadas em comer. Salvo uma ou outra criança, com migalhas de pão nas mãos, ninguém percebe a agonia apática das flageladas. Nem mesmo as crianças, alimentando-as. Alimentando a pintura podre do aprisionamento. São apenas crianças.

Levanto da mesa, meus sushis e sashimis estão entalados na garganta. Afasto com os braços as crianças e meto a mão na pequena piscina. Saco da água uma carpa trêmula. Epilética e confusa. Olham-me estranhados, sacam os celulares. Corro para longe com o bicho na mão.

Atravesso avenidas, cruzo carros em alta velocidade, alcanço finalmente a ponte da Vida Longa e arremesso o peixe com toda a minha força para o meio do rio. No alto, quase tocando a lua, suas escamas piscam de alegria enquanto corro de volta, em direção ao restaurante.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Pólvora Para o Botulismo


O botulismo é uma intoxicação alimentar e uma forma de governo. Causada por uma bactéria presente em países e em alimentos mal conservados, a sua ação resulta na paralisia dos músculos, podendo impedir ações como protestos e a respiração, levando à morte por asfixia.

A bactéria, em sua forma mais simples, presente em alimentos contaminados, pode ser facilmente combatida com uma solução química barata e eficiente. Trata-se de um produto semelhante ao sal de cozinha, entretanto – e por isso não basta – cristalino, inodoro e incolor.

O salitre é um composto químico obtido do nitrato de sódio e utilizado na indústria de alimentos para preservar as características primarias dos enlatados e embutidos. Infelizmente, o ser humano em sua essência não esbanja coragem e coletivismo, mas, preguiça e medo!

Dessa forma a bactéria na forma mais complexa, infiltrada em sociedades habitualmente passivas, não teme o contato com a substância antitóxica. Aliás – que sirva de alerta – o consumo excessivo de alimentos contendo salitre provoca uma sensação maior de saciedade!

Em paralelo, o carvão vegetal é uma substância obtida pela carbonização da madeira ou lenha. Tem poder de combustão moderado e é comumente utilizado como fluído para aquecedores, plebiscitos, manifestações e fogões a lenha, só que, isolado, não combate toxinas.

Já o enxofre é um ametal de coloração amarela. E também o homem comum, alienado. Mole, frágil e leve. Desprende um odor característico de ovo podre ao misturar-se com o hidrogênio. É insolúvel em água e aglomerações públicas, mas, parcialmente solúvel em álcool etílico.

Essas substâncias, separadas, não representam qualquer eficácia no combate ao botulismo. Mas o salitre, o carvão e o enxofre, quando misturados na proporção perfeita, transformam-se em uma nova fórmula, explosiva! E consistente, capaz de aquecer e iluminar toda uma nação.

A pólvora produz uma onda de deflagração subsônica, ao contrário dos altos explosivos que geram uma onda de detonação supersônica. Isso reduz o pico de pressão na explosão, tornando-a menos capacitada a destruir rochas ou fortificações. A não ser que compactada!

E em grande volume. E em pontos estratégicos. Em vários lugares. Ao mesmo tempo! A pólvora, quando em milhões de grãos, marchando com substância e com foco, cheirando ou não a vinagre, causa um estouro avassalador. Aniquilando fortificações. E o botulismo.


sábado, 15 de junho de 2013

Reflexões Ante Um Reflexo

                                                                                                Arte:: Peter Paul Rubens

Escute aqui meu chapa! É, você mesmo! E me olhe nos olhos quando lhe dirijo a palavra: Você sabe quem eu sou? Digo, faz ideia de com quem está falando? – Aproveite que ainda lhe trato com respeito e me responda com total clareza: Me desdenha, mas, sabe quem sou eu?

Claro que não... Você não sabe de nada! É um perfeito desinformado! Me devolve essa cara de interrogação e o sorriso constrangido dos que preferiam não passar por isso. Pois daqui você não sai, colega! Ao menos até que diga, de boca cheia, se sabe com quem está falando!

Soube que cochicha às minhas costas. É! E que calunia-me para pessoas que nem me conhece! Você, não me conhece! Acha que sim? Pois me olhe nos olhos e diga: Quem sou eu? – Você não diz... Nunca diz! Fica de boca muda, e murcha, buscando no horizonte algum amparo.

Olhe ao redor, somos só eu e você! Ao redor da gente, somos só eu. E você. Digo: Me diz! – E você insiste no silêncio. Frente a frente comigo, quando lhe obrigo ao que acha que sabe de mim, prefere o silêncio. E oferece os ombros, como se, subitamente, já não soubesse mais.

Mas vou lhe dizer o que penso, que também guardo em mim algumas impressões tuas! Você é um fraco. Um preguiçoso e um invejoso! Sim, esse é você! Me debocha pelo prazer e garantia de se ocultar dos holofotes. Aí as luzes se apagam e está tudo bem. Você é raso, parceiro!

Não sabe nada de mim, não é mesmo? Finge que sim, mas é só para facilitar sua vida... Meu bom amigo, te pergunto mais uma vez apenas: Você sabe com quem está falando? – É sério! Procure me entender, tente ajudar e me diga, que não sei: Afinal, quem diabos sou eu?

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Liberdade Custa Quanto?


Tudo o que se tem de disponível no mundo, tem um preço. Nem sempre temos a bala na agulha de poder pagar, mas, no leitor de código de barras do caixa, o custo está lá. Dividindo os homens dos meninos. Sou menino, gente que lê. E minha bala na agulha cheira a hortelã!

Não que me faça constrangido ou frustrado, mas, com grana no bolso, tudo tão mais fácil... As portas, paredes, janelas e a vida. Tão mais gostosamente fácil. E leve. Atualmente, tenho nada mais que minha consciência, levando esse peso. Leve no esforço, que, na essência, até treme!

Pesa uma tonelada, pelos débitos que carrega. Débitos imprescindíveis, mas que, se pudesse pagar, convertido nalgumas milhares de notas. Pilha pouca à pilha de nervos de se estar refém do capital. Pago! “Tudo o que se tem de disponível no mundo, tem um preço”. Parafraseio-me.

Um preço alto. Difícil de arcar... Um custo foda e cheio de taxas, que aumentam por todos os lados. Juros inversamente proporcionais ao fluxo da vida. A vida seca na mesma medida que a divida aumenta. Fluxo de caixa é coisa de gente grande. E minha chupeta sobra nesse texto!

Choro mimado à incompetência para a administração dos prazeres da vida. Ter prazer é coisa de burguês! Ser feliz também. A gente que é só gente, leva a vida como dá. Um dia de cada vez. No cardápio, farinha e fubá para dar sustância e aguentar o tranco. O corpo é ferramenta.

Somos máquinas. Androides laborais. Somos quase inumanos. Mas a gente sonha. E sonha porque faz bem. Revigora. Mas sonha sem fé. Porque fé faz bem apenas para quem tem tempo. Temos tempo para nada. A fome bate. A urgência. O dia seguinte e a responsa. Ê vida!

quarta-feira, 5 de junho de 2013

A Última Bolha de Oxigênio


Nada! Agita o corpo como pode e prende a respiração. Não para! Sacode os braços e as pernas. Resiste até que a cãibra o vença. Dance os membros na grande sopa oceânica e nada! Nada pela vida, meu chapa, senão da vida sobra nada! E não se nada no nada. Se faz é nada lá!

Tem pulmão? Nada! Estufa o peito feito bexiga e deixa a cargo da maré. Desiste não, que para chegar ao chão tem água a beça. E tubarão. É fundo. O buraco do mundo é fundo e frio. E solo bom é linha reta. Lá mais longe que a vista vê! Rema esse barco de si que é só o que te resta.

E “só o que te resta” é tudo o que você tem! Não pense que é pouco. O pouco que sobra ainda é um tudo. E tudo é nada, ao contrário. Nada! Se já nadou isso tudo, nada mais! Nada para frente, não olha para trás. Que o passado te traz, âncoras de ferro. E memórias enferrujadas.

Lembranças frescas do naufrágio. Teu barco pesava e não aguentou. Agora é contigo. Nada leve, marujo! Sem nada. A terra firme te aguarda, lá na ponta do horizonte. Aguenta firme e nada, que a tormenta úmida do mar, será coisa mínima na ilha aonde o corpo irá se renovar.

Pensa que é o único jeito. De ter chão. Repita em mantra que: Cada braçada a mais, é uma braçada a menos. Mantenha o prumo, nadador, que logo desponta um micro ponto verde nessa imensidão azul. E aí, é logo ali. Bem junto de onde estamos todos. Secos, sãos e salvos.

À sua espera, para acabar com a solidão, e com o desamparo do mar. Nada! Nada mais! Nada tudo, que falta pouco! E mesmo que o corpo se entregue, muito longe da costa, desiste nunca. Ainda que comece a afundar, encha o peito de vida, até a última bolha de oxigênio.