quinta-feira, 31 de março de 2011

Vencido


Será possível? A megera acaba com a minha vida e agora me vem com essa de rogar praga! Não aguentou nem dois anos de casamento e saiu sem se despedir. Eu fiquei destruído é claro. Que tipo de babaca não ficaria? Era amor mesmo, jurei na frente de todo mundo na cerimônia.

Aí me apronta essa de ter se enganado e não estar preparada para uma vida a dois. E quem se fode sou eu... o grande babaca! Some de casa sem dar notícias e, não satisfeita, reaparece com recadinhos amaldiçoados. Deve estar sozinha a vadia, soube de mim e decidiu infernizar!

Até eu me recuperar, passei uns seis meses sozinho, me sentindo a pior bosta do esgoto. Não casei por necessidade, amava mesmo aquela cachorra! Quando sumiu, eu já não estava mais com idade nem saco para sair por aí comendo menininhas e esquecer ela. E nem queria.

Só o que eu queria era ela do meu lado. E teria a aceitado de volta se me pedisse. Agora esse bilhete! Porque diabos eu fui achar que essa ordinária teria algo de bom para me dizer? Uma vez megera, sempre megera! E eu, relutante, tentava engatar um novo romance na vida.

Uma mulher fantástica. Bonita, inteligente, carinhosa e incansavelmente sexual. Eu não tinha do que reclamar e, para completar, notei alguma coisa em mim que ela gostava. Não sabia o que era, mas estava claro em seus olhos que gostava de mim. E eu empurrava, na total inércia.

É que não estava envolvido até a alma. Me fazia bem aquilo tudo, eu sei, mas o tesão não dominava meus sentimentos. Ele ficava ali, dançando nas minhas pernas, no limite da carne. Não que fosse sua culpa, coitada, nem minha (coitado). Era da megera, que não saía de mim.

Comecei a beber acima da media. Mas o álcool só ajuda no começo, depois vira uma merda ainda maior. Não demorou muito até que ela também desaparecesse, cansada do meu temperamento destrutivo. Fiquei um tempo sozinho, mas já não me sentia um bosta.

Até gostava, para ser honesto. Tinha liberdade de novo, fui me redescobrindo. Aos poucos fui acostumando com essa nova vida, livre de compromissos e prestações de contas. Outras mulheres vieram, é claro, mas não duravam muito, sob minha nova perspectiva sem amarras.

Fui perdendo gradativamente o interesse pela vida a dois. Não enxergava mais o motivo que me fez casar da primeira vez. Estava recuperado da megera (que tinha até voltado a ter nome: Amanda), mas aquela coisa que nos juntou, tinha se perdido em algum buraco dentro de mim.

Não que fosse um buraco vazio, muito pelo contrário, eu estava feliz! Acabei, perto dos cinquenta anos, fixando residência com uma jovem de vinte e dois. Já estava cansado de memorizar caprichos de mil mulheres diferentes, e ela precisava de um lugar para morar.

Encontrei a Amanda, um tempo depois, no supermercado. Estava casada há muito tempo, trazia o marido e seus dois filhos. Nos apresentamos sem formalidades. Não passava de uma família comum, discreta. E ela parecia tão realizada conjugalmente quanto eu. Fiquei feliz.

E achei há pouco, no meio das minhas tralhas, um pedaço de papel que completa o bilhete que ela escreveu há trinta anos. Foi uma coisa que me sensibilizou. Pensei em como teria sido minha vida se o tivesse visto naquela época. E na vida que levamos hoje, eu e ela, satisfeitos.

Entendi que não adianta insistir no que não funciona. As coisas se encaixam de alguma forma, em algum momento da vida. Hoje a Amanda é feliz, eu sou feliz, à nossa maneira. No fim das contas, o amor se renova para alguns e, para outros ele simplesmente expira...

segunda-feira, 28 de março de 2011

A Dona do Pedaço



Podia ter conquistado o mundo se quisesse. Isso é o que eu teria feito! Ela estava numa posição confortável e privilegiada. Nunca vi alguém com tanta popularidade em tão pouco tempo. E fazendo um monte de nada. Sua notoriedade era por um monte irritante de nada.

Mal se expressava, apenas uns e outros espasmos, claramente involuntários. Não tinha vontades, manias, ambições. Não fosse o aspecto humanoide, teria facilmente a confundido com uma grande batata. Seus trunfos? O cheiro e um jeito de olhar. E sabia jogar esse jogo.

A qualquer sinal de desamparo, bastava o mínimo de ruído para atrair todos os olhos e cuidados para si. Usualmente debochava seu irresistível carisma para mim. Juro que aquele riso largo e desdentado era nada mais que desdém. E eu me ocultando, todo enfraquecido.

Aonde quer que estivéssemos, nos mesmos lugares de sempre, já não éramos mais reconhecidos, minha mulher e eu. Especialmente eu, o coadjuvante da vez. Fiz do cuidado com a higiene, um capricho de dias pares. Segundas, quartas e sextas. Afinal, para que? Que horas?

A barba cresceu, o cabelo, alguns odores indiscretos. Passava as vinte e quatro horas do dia engolindo e topando toda a atenção que aquela premeditada invasora exigia. Era viciante e carcerário, como se tentasse me livrar, mas não sem antes ver o que aconteceria em seguida.

Foi assim de repente, que minha existência estava completamente ofuscada pela dela. Não que eu fizesse qualquer questão do centro, mas já beirava a invisibilidade. Comecei, aliás, a questionar o meu papel ali. Que diabos um homem inútil como eu faz numa situação dessas?

Estava mais do que claro que já não tinha mais espaço para minha vida. Tínhamos, minha mulher e eu, sucumbido às exigências da nova dona do pedaço. Nos tornamos funcionários dessa poderosa instituição, sem quaisquer direitos trabalhistas. Ou ao menos um sindicato!

Alvoroçava nossas vidas com olhos de quem não se preocupa sequer com o destino de suas necessidades fisiológicas. Posso dizer com a segurança do verbo, que ela cagava para o mundo! Já o mundo sorria de volta para ela, com suspiros de aprovação. O mundo, e nós dois.

Quando eu era menino, acreditava que a liberdade é a única coisa no homem que ninguém, jamais, poderia tirar. Era bastante fácil ser um garoto mimado da classe média. Agora eu estava lá, preso a uma situação planejada. Louco para sair e, ao mesmo tempo, para ficar.

Fiquei nessa história um ano, pouco mais. Foi o que consegui suportar. Um dia, algum tempo depois dos primeiros passos de liberdade (dela), estacionou no pé do sofá onde eu descansava e disparou: Pa-pa! - Dali em diante, assumi o papel e me tornei o idiota mais feliz do mundo.

segunda-feira, 21 de março de 2011

A Última Linda Dama

                                                   Arte: Frances Kuta


Tem os olhos mais penetrantes que conheci. Tão lindos que não me canso de fita-los, obsessivamente. Mesmo fechados, lindos. Me acalmam. Ela tem uma paz nas pálpebras que pacifica minha alma. Olhos pretos, inexpressivos que, mesmo fundos e cadavéricos, celestiais.

Os cabelos, brancos e desgrenhados, distribuem-se desordenados pelo couro. Armam-se selvagens para todos os lados e confundem-se a outros fios, menos presentes embora mais indiscretos, amarelos e rudes. Sempre fui fascinado pela cabeleira hirsuta e reluzente dela.

Noto sem asco o líquido grosso e translúcido que se forma e acumula no canto da boca. Limpo com um lenço de papel umedecido. Os lábios confundem-se em tom com o pálido do rosto. Quero beijá-los. Tão delicados que desenhados à mão (e pessoalmente) por Deus. Sublimes.

Acaricio o braço, pendido e frio, ao alcance da minha mão, carente do calor confortável que só ela sabe oferecer. A pele enrugada, branca e fina, reforça a maciez sufocante do primeiro toque. Todo toque é como o primeiro, e sua tez ainda me arrepia juvenil cada pelo do corpo.

Juro que percebo um movimento na mão esquerda. Uma suave retração. Minha presença, certamente! Involuntário, provavelmente... É a mão onde repousa nossa entrega apaixonada e cega. O anel dança solto nos dedos finos. São mãos acolhedoras, talentosas e eu as acaricio.

Deslizo, excitado, minhas mãos quentes pelo corpo esguio dela. Inertes. Sinto o volume que se forma em mim, uma atração incontrolável que essa mulher me provoca. As costelas expostas, coladas à pele, a bacia sobressaltando as pernas irregulares. Nossa monumental lascívia.

Quem a vê nessa introspecção passiva não imagina o fogo que guarda essa mulher! Insaciável até a ponta dos pés. Quente, como costumam dizer. Passamos muitos carnavais trancados no quarto, à base de água e alguma proteína, apenas para sobreviver. O resto era pura luxúria.

Mas para que não pensem tratar-se de uma dessas senhoras promíscuas das ruas, desposei-a na flor dos seus dezoito anos e fomos os mais sinceros prostitutos um do outro, pelas últimas seis décadas e meia. Ainda hoje conservo minha devoção ao mais perfeito ser humano.

Apesar dos momentos difíceis. E, francamente, foram muitos momentos embaraçosos proporcionados pela minha senhora. A possessividade, as fragilidades e a capacidade de entrar em cada discussão possível. Todos os seus mil argumentos. Geniosa e absolutamente única!

Mas chega uma hora na vida de um sujeito comum, que é preciso aceitar a derrota. O fracasso impotente para aquela praga ceifadora de manto negro. Fui o homem mais feliz do mundo pelos últimos sessenta e tantos anos. Estarei fadado à infelicidade pelos próximos tantos.

Assisto desnorteado, seus últimos suspiros. Sufocantes, como se em uma sala sem oxigênio. O pequeno televisor ao lado apita uma linha reta e sem esperanças. O momento próximo é o momento atual. Lembranças. Aos poucos aquele corpo vai se desconstruindo na minha frente.

Percebo, então, que não me lembro da cor dos olhos, dos cabelos, ou o batom preferido. De repente não sei mais quem é esta pessoa morta à minha frente. Olho ao redor à procura da mulher que domou minha vida e perco de vista, a última linda dama deste mundo.

domingo, 13 de março de 2011

Falando em Falo




- Olha para mim! Então olha bem nos meus olhos e fala que você não deseja mais isso!

- Porra mulher, é o que to tentando te falar, fazer ele subir quando to contigo é quase uma missão hercúlea!

- Você é um viado, isso que é! Até meu rabo já te ofereci e fica de casinho para me satisfazer...

- Tenta entender mulher, tem o lance do tesão e ele... Já era!

- Tem outra, não é?

- Que diferença faz? A coisa é que entre você e eu não tem mais... Não dá!

- E porque não dá? O que foi que eu fiz?

- Fez nada, nada de errado. O que acontece é que eu já comi demais... Ainda tenho muito para comer aí fora, sou jovem!

- Então vai lá e come! Só não me deixa...

- Não funciona assim, você bem sabe!

- E o que mais você precisa? Não posso ficar sozinha, preciso de você...

- Precisa nada! O que te falta é um cara que cuide e aninhe. Eu fico melhor sozinho, sabe como é... voando por aí!

- Para mim solidão é a morte!

- Queridinha, eu digo sozinho pensando em livre!

- Eu penso em sozinha e é solidão que me vem à cabeça...

- Ta vendo? É por isso que não vai dar certo, você sempre vê o copo meio vazio!

- E você não vê copo, vê balde!

- Sou homem, princesa, tenho minhas necessidades...

- Você só tem uma necessidade: Sair por aí mostrando para o mundo que tem pau!

- Um belo de um pau, lembra?

- Lembro que ele brocha, pauzinho de merda!

- Ei! Eu fico cansado, direito meu!

- Acreditei nas primeiras vezes...

- Fala baixo, vão acabar achando que acontece o tempo todo.

- Só o suficiente para eu confiar mais na minha mão do que em você!

- Pô gatinha, não fala assim, nas nossas transas eu me dedicava cem por cento a você!

- Até nas que não deu conta?

- Já te falei, tava cansado, muita coisa no trabalho, essas coisas...

- Quer saber, leva esse pau meio-termo para longe daqui. Preciso de um homem de verdade!

- Não fala assim gatinha, eu sou homem. O seu homem!

- É... quando funciona!

- Prometo que nunca mais falho com você! Serei um touro daqui para frente!

- Pensando bem, precisa ser maior também...

- Ai amor, fala assim não. É muito pequeno? E se eu compensar em eficiência?

- Com que garantias?

- Chuchuzinha, deixa eu provar para você?

- Talvez, você me ama?

- Muito, tudo. Só você!

- Ele ta duro agora?

- Põe a mão...

- Aqui? Tem gente perto... Hmmm, nossa, parece até maior hoje!

- Para você ver o quanto te amo!

- Bobo... Amo você também! E seu pau é só uma consequência disso. Além do mais, o tamanho é perfeito!

- Jura, não é pequeno? Eu tava acreditando...

- Imagina, ele quase me sufoca!

- Que bom... poxa, que bom! Mas sabe, pensando bem, eu tava falando sério em precisar de outras mulheres na minha vida. A juventude está passando...

- Filho da puta! Cansei, enfia no rabo esse seu pau de anzol!

- Você ta mentindo ele não é tão fino assim...

- E torto também... seu brocha!

Papel Pretensão


Deve haver por aí, quem não aspire ser alguém de destaque, nesse mundo de celebritismo instantâneo. Anarquistas! Não vejo mal nenhum em desejar um pouco de holofote, quando em reconhecimento. Mas em que, afinal, merecemos esse reconhecimento?

Penso, em primeiro lugar, que é esse o nosso papel na Terra. Vou além, nosso único e absoluto papel enquanto seres humanos: Destacar-se! Provocar qualquer mudança, para o bem e para o mal. Até o mal promove mudanças que sustentam nosso universo.

Eu, por exemplo, tive minha epifania há pouco mais de um ano! Uma doce e ambiciosa empreitada pelo mundo literário, antes mesmo de mensurar se dos bons. Apenas um anseio em destituir-me da mediocridade imperativa. Sem buscar o efeito disso no mundo, mas, em mim.

E essa mudança global tem ponto de partida: Eu! Mas calma lá, todos nós! Não tenho nenhum talento para a revolução, ao menos não às que ultrapassam os limites biogeográficos do meu corpo. O resto, o mundo que gira se reinventando, isso vem com o tempo. Natural aos inquietos, penso.

Mas e essa invencível batalha contra a mediocridade? Contra a preguiçosa e poderosa inércia. A bunda no sofá, a cerveja na mão, o sedentarismo generalizado. Generalizado quando domina corpo e mente. Acorda, trabalha, come, dorme. Replay, replay, replay...

E aí está o trabalho, ópio do povo, a boa desculpa dos medíocres. Toma todo o tempo, a energia. Minha desculpa: “Ando trabalhando demais”, a sua: “Eu também!” – E quem não? E para quê? Para comer... Vivemos à sobrevivência, apenas postergando a morte.

Ora, morreremos! De fome ou desgosto. E o mundo? Ele seguirá por aí, girando, girando. Intacto. E nada mudou no eixo piônico. Porque você precisava comer, porque achou que o trabalho era sua única fonte de nutrientes. Porque teve medo do mundo...

Ta certo, pego mais leve, tenho eu, medo do mundo também. Não sei o que vai ser amanhã e, ás vezes, nem quero! Mas noutras vezes (indefectível equilíbrio) o medo é justamente a chave para minha inspiração. E o medo é quem estimula essa pieguice em mim.

Pois ofereço o meu pretensioso papel, enfiar nalguma brecha do mundo, a cheerleader literária que existe em mim. Caneta, papel e pompom. Uma porção de palavras fraseadas. Líricas e concretas, diretas e indiretas.

Responsáveis, todas elas, pela mudança que você provocará no mundo, e, porque não, de carona, pelo registro à minha inesgotável batalha contra a mediocridade particular. A luta da minha vida.