domingo, 31 de julho de 2011

Notas do Último Concerto


Empurrou a pesada cortina vermelha e atravessou o palco escuro. Caminhando lentamente e tateando o ar, alcançando o microfone. Pigarreou com certa sutileza e um par de luzes anunciou sua presença: “Boa noite senhoras e senhores! E bem-vindos à minha despedida”.

Uns poucos (talvez seis ou sete) pares de palmas se dissiparam no ar, em claro sinal de consentimento melancólico. “Façamos dessa noite a mais marcante de todas as noites, que seja minha e, principalmente, de vocês. Porque um dia seus filhos perguntarão sobre ela”.

Os violinos soaram os primeiros acordes e puxaram as batidas da bateria. Clarinetes e flautas transversais sopraram agudas, antecedendo o violão. O cravo e o acordeom surgiram para acompanhar o tom grave e entristecido do despedinte, que entoou os clássicos de todos ali.

Com os olhos marejados, fitou o horizonte negro à sua frente e, sem interromper a melodia, solicitou que a plateia se levantasse e dançasse com ele aquela última dança. Logo se ouviu o atrito discreto dos poucos pés presentes, no assoalho frio daquele salão gigantesco e oco.

O vazio da pista ecoava furtivamente as fungadas profundas do choro irreparável na plateia convalescida. A dança era bela, mas sofrível como a cadência de um funeral. Alguns ombros se tocaram e os pares se trocaram. Porque não havia tabu, naquela que era a última das noites.

O concerto se estendeu desapressado. Porque quando acabasse, ninguém mais teria compromisso. Não tinham urgência em sair porque também não teriam aonde ir. As músicas se reiniciaram, fora de ordem, pelo menos duas vezes, dissimulando um novo começo.

E mesmo dissimulado, não houve desertor naquela noite. Os mais fiéis adeptos das canções que seriam esquecidas para sempre, dali em diante. Cada nota era a última nota. Cada acorde, o derradeiro. Definitivamente. Respiraram fundo, todos, e cessaram o choro, admitindo o fim.

Um longo silêncio se instaurou e alguém começou a mesma discreta salva de palmas que abriu o evento. Por algum tempo ela resistiu até que, contrariando as expectativas, o som de dez bilhões de palmas ensurdeceu o salão. Como se o mundo, voyeurista, deixasse se reconquistar.

Alguns sucumbiram ao choro novamente, outros gargalharam e pularam de alegria. “O recomeço! O recomeço!”. Mas ele já não estava lá. O palco novamente escuro, estava apenas vazio. As palmas se interromperam num súbito e, na plateia, também já não havia ninguém.

A vida, logo, retomou seu rumo. Sem danos, outros objetivos. O inconfundível poder de adaptação. E muito tempo depois, quando o primeiro filho perguntou sobre ele, e, sobre a inesquecível e derradeira noite, os pais, tapados, não lembravam, e não souberam responder.

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