segunda-feira, 18 de julho de 2011

Cada Qual em Sua Batalha


Mantinha a cabeça baixa. Fixara os olhos nas coxas brancas e esguias que eram suas e parecia buscar o paraíso em outro lugar, bem longe dali. Vestia uma camiseta polo azul. A mãe escolhera. Os shorts xadrez. Penteara-se como a mãe quis. Tinha seis anos de pura alienação.

Os pais argumentavam ofensas sutis, durante a refeição. No restaurante elegante do centro da cidade, mal se ouviam os talheres. Só uma enfadonha sonata. O garoto mantinha a cabeça longe daquela cena. Tão típica. Alguns garçons ofereciam água, indicando indiscrição ao casal.

A mãe coçou a cabeça do garoto bagunçando-lhe a franja e julgou os problemas da ausência do pai. Ele tratou logo de perguntar como estava o filé, sugerindo as compensações de sua ausência. Ela emendou que faltava sal. No filé e na vida. O garoto continuava sem expressão.

O pai aproveitou a inércia nos olhos do menino e, tomando-o pelo queixo, exaltou a falta de personalidade que o garoto tinha naquela idade pela superproteção da mãe. Ela rebateu que o que faltava ao menino era uma figura paterna. O garoto desvencilhou o rosto das mãos do pai.

“Não importa o que aconteça, sou o pai dele” – “O rapaz que limpa nossa piscina tem sido mais pai que você” – “Esse rapaz tem menos com o que se preocupar” – “Mas ele sabe dar atenção para quem precisa” – “Ainda estamos falando do menino?” – “Não sei, o que acha?”.

A masculinidade e o orgulho eram seus pontos fracos. Ela o conhecia bem e sugerir o adultério era como cutucar um vespeiro. Ele atirou os talheres, ruidosamente sobre o prato e indagou o que ela estava sugerindo. Suspirando dissimulada, ela sorriu e disse: “Eu? Nada, oras.”.

O garçom trouxe outro copo com água e o pai, impulsivamente, atirou o líquido gelado no rosto maquiado da mãe. Ela gritou. Todos os clientes perceberam o tumulto gerado pelo casal. Menos o garoto. Sem levantar o rosto, fez um quase imperceptível sinal de desaprovação.

A mãe atirou o copo inteiro em direção ao pai, sem acertá-lo e passou a despejar, no instante seguinte, injúrias sobre a falta de competência sexual do marido e ridicularizou o tamanho da sua genitália. Ele avançou sobre ela com a mão aberta e acertou em cheio o rosto já borrado.

Os garçons corriam para todos os lados tentando contê-los. Os clientes dividiam-se entre os que queriam o fim daquilo e os que queriam ver sangue. O menino estava sozinho na mesa, não ligava para nada daquilo como nada daquilo parecia ligar para ele. Atingira o paraíso?

A mãe fez-se de desnorteada para esconder uma faca nas costas da mão e surpreender seu agressor, no ombro direito. Jorrava sangue e ela mantinha-se quase inteira sobre o ombro ensanguentado. Aos berros, pegou o prato e estilhaçou-o contra a cabeça dela. Desprendeu.

Ambos caíram e, a essa altura, todos no restaurante estavam horrorizados. Menos o menino. Aliás, Juca. Não que faça importância saber. Ele continuava sentado. O único sentado. Cambaleantes, trocavam insultos tentando se reerguer: Puta; broxa. Baixa; corno. Suja; veado.

Atracaram-se uma última vez e, rolando entre cacos, comida, sangue e estilhaços, modiam as orelhas e puxavam os cabelos um do outro. A polícia chegou e logo os paramédicos. Separaram os baderneiros, trataram os ferimentos e deram voz de prisão. Eram reincidentes.

Finalmente alguém viu o menino. Cabisbaixo, abandonado no centro da mesa branca, rajada de vermelho. O sargento caminhou até ele e, ao tocar seu ombro oferecendo conforto, ouviu surpreso: “Moço, olha aqui, eu arremesso os pássaros direitinho, mas esses porcos não morrem!”.

2 comentários:

Fabiana Vitale disse...

Sem palavras mais uma vez. Ah,...Adorei!

Anônimo disse...

Hahaha, genial pequeno irmão! Malditos pássaros raivosos...