sábado, 23 de julho de 2011

Os Desalmados


Tinha menos de vinte anos. Longos cabelos escuros e olhos ainda mais negros. Brilhavam nas órbitas e contrastavam com a pele mais branca e lisa que já tive o prazer de admirar. Sorria com a garantia de me ter nas mãos e tagarelava despudorada coisas sem nenhum sentido:

“Sou a própria filha do homem, você nem imagina o que sou capaz de fazer” – E não imaginava mesmo. “Posso te levar às estrelas ou incendiar sua carne no mesmo piscar de olhos. Porque sou a filha do filho da luz” – Ela me dizia sem pestanejar que o Demônio em pessoa era seu pai.

Tinha o corpo curvilíneo. Nádegas protuberantes, seios rígidos e saltados para frente. Uma cintura que cabia na palma da minha mão. Não oferecia nenhuma imperfeição. Era de se suspeitar. As vezes as imperfeições não estão no corpo. No caso dela, estão em lugar nenhum.

Eram quase três da madrugada e eu, dedicado a não acordar sozinho na manhã seguinte, teria aceitado o galanteio do próprio Diabo se usasse o batom certo e um belo decote. Entrei na onda dela. Jurei fidelidade ao rei das trevas e brindamos o acordo com alguns bloody marys.

Eu não tinha dúvidas que sairíamos dali juntos. Ela mordiscava minha orelha e resmungava palavras que dizia ser um hino pagão em minha homenagem. Pelo homem livre e destemido que eu era. Eu estava tão excitado que poderia ter entregado minha alma àquela mulher.

Aliás, no instante seguinte foi o que ela me arrancou. Disse que, embora fosse uma adoradora da devassidão, seu pai era muito rígido quanto ao envolvimento com cristãos. “Se eu tiver alguma alma, mulher, só estava guardando para você” – Sugou-a pelo meu ouvido e a engoliu.

Senti um estranho calafrio. Era como se eu não contasse mais com os limites sociais. Enfiei minha língua na boca dela e senti incendiar meus lábios. Tinha o beijo quente, o corpo quente. Enrijeci-me imediatamente. Apalpei seu corpo ali mesmo, ela se atracou a mim. Nos despimos.

Pegou, com uma das mãos, o copo e estilhaçou-o no balcão. Enfiou um caco na minha bochecha esquerda e rasgou a pele. Sorveu o sangue que brotou e deliciou-se ofegante. Estávamos ambos nus. O bar nos admirava. Alguns, claramente, tocavam o próprio corpo.

Invadi o interior da suposta princesa dos condenados. Senti o sabor deliciosamente podre da realeza. Era um dos grandes ali. Não! O mundo girava ao meu redor. Qualquer homem no mundo invejaria meu status. Eu era O Homem. Nunca mais pateta e esguio. Puro vigor e sexo.

Arrisquei um tapa bem pesado no rosto da minha nefasta donzela. Ela riu, desdenhou minha força e, então, gargalhou. Tentei um soco e alguns dentes se desprenderam. Ela os cuspiu em mim e tornou a gargalhar ensanguentada. Meu sangue e o dela. Minha bochecha escorria.

Nossos rostos salpicados de vermelho. O descontrole total. O cheiro no ar, penetrante. Trinta ou quarenta pares de olhos perdidos na nossa promiscuidade. Explodimos juntos no maior orgasmo dos mundos. Ruidoso, arrepiante, violento e extasiante. Desmaiei de olhos abertos.

Despertei do transe com o barulho metálico das algemas. Mãos atadas. Ela não estava mais lá. Os espectadores sim, estavam, mas, curiosamente, não ofereciam o mesmo olhar de cumplicidade, apenas desprezo. Expliquei o caso ao delegado, perfeitamente como agora.

Da mesma forma que a minha sádica amante, riram. Depois me ofereceram uma cela. Garantiram ser a cela mais movimentada dos últimos dias. Não acreditaram em mim. Passado o efeito do ácool, acho que nem eu acreditaria. Caminhei constrangido pela ingenuidade.

O trinco se abrindo, fez um barulho enferrujado. Algum tempo se passaria até que aquele ferrolho emitisse o mesmo som à minha liberdade. Dentro da cela, uns vinte homens me olharam, todos derrotados. Cada um marcava uma profunda cicatriz na bochecha esquerda.

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