domingo, 22 de janeiro de 2012

Quem Alimenta


Quilômetros adentro de uma inóspita Amazônia além-fronteira, os finos troncos crescem abundantes, escondidos sob as espessas seringas, quase virgens da mutilação humana. Seringas que não atendem o submercado local, senão pela pura dissimulação comercial.

O cuidado meticuloso com as folhas, artesanal e quase artístico, alimenta uma beleza improvável, coletiva e gentil. Tanquanto clandestina. Homens, mulheres e crianças. Famílias inteiras, dedicadas à natureza extraordinária daquilo que brota divinamente do solo fértil.

Juanito colheu seu primeiro lote no último verão, agora se prepara para desbravar sozinho a mata selvagem e despejar suas primeiras sementes. Os pais se orgulham. Os senhores e os capatazes. Há um futuro brilhante à espera daquele garoto de raízes indígenas, tão dedicado.

Perto dali, uma dúzia de homens amargurados se encarregam da subtração material daquelas folhas, meticulosamente colhidas por mãos familiares que, inocentes em absoluta conveniência, já não têm mais importância nessa história. Nem sequer o promissor Juanito.

As folhas, às toneladas, desidratadas pela desconexão com o solo, pelo confinamento escuro de um buraco úmido, pelo querosene e o ácido, e pela inocência indígena de um pequeno garoto, derretem-se em uma pequena porção amarelada e malcheirosa. Subvertida.

Se mistura ao talco e se multiplica, tentando purificar falsamente uma perversão contra a natureza das coisas. Da própria natureza. Torpe. Adquire a textura sutil e leve de uma nuvem, comprimida e empacotada. Bem menos rude. Bem mais atraente. Quase desejável.

Atravessa a floresta, a fronteira e o país, fundida a corpos transitórios e se desprende segura, dos orifícios mais profundos do corpo diretamente aos orifícios mais profundos da capital. Se espalha pelas entranhas mal vistas da grande metrópole e evapora rapidamente.

Por classes bem mais privilegiadas que a do pequeno Juanito, e que a dos doze homens amargurados, e que a dos corpos transitórios (maculados por tão pouco). Classes abastadas e alienadas que, protegidas pela história, dispersam a soberania por veias grossas de um azul real.

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