sábado, 20 de setembro de 2014

Outreu


Chegou a mim com a despreocupada pompa dos que não se importam - ou fingem - estar acima das carências de atenção daqueles que, na nossa idade, querem quase nada que não, só isso. Apresentou-se amigavelmente: “Carlos Francisco, mas, me chama de Carlão!” – Assim o chamei.

E rebati: “Carlos Francisco, mas me chamam de Chico...” – O nome, sim, era tão o mesmo quanto todo o resto. Exatamente! Carlos Francisco, o outro, tinha a minha cara em cópia, como todo o resto, na fisionomia. Acabamos amigos, porque, afinal, era impossível não ser amigo do Carlão!

Sujeito boa praça, polido, querido. Pensava comigo que, a bizarra versão melhorada de mim. Conversávamos muito e, sem que eu percebesse, estudava meus jeitos, meus métodos e hábitos. Apresentei-o à minha vida e, as pessoas, claro, adoraram-no irresistivelmente.

Não levou tempo algum até que eu, Chico, me convertesse a coadjuvante naquela dupla gêmea. Apócrifo do meu próprio círculo social. Carlão estava em todas. Indiquei-o a assistente na minha repartição e logo assumiu meu posto, consolidando o anonimato que já me era habitual.

Da mesma forma, arrebatou minha maravilhosa vizinha, paixão antiga que, francamente, nunca me deu bola. Até meus pais (PAIS!), estimavam o Carlão como o filho que nunca tiveram. Com tudo isso, toda a minha mediocridade escancarada, decidi, complacente que era a hora de partir.

Éramos tão próximos e iguais, que apenas deixei-o a cargo dos meus compromissos. Carlão imediata e primorosamente assumiu minha identidade de forma que ninguém deu falta da inutilidade minha. Ele mesmo, solicito que só, indicou meu destino, até o fim dos dias.


Tratava-se de uma espelunca, a muitas milhas de qualquer lugar, onde os hóspedes eram todos a versão errada de si. O ambiente parecia hostil no início, mas, eventualmente na televisão, o “outreu” de algum deles dava as caras, bem sucedido. E nesses dias, em festa, vibravámos todos!

Nenhum comentário: