No meio do deserto. Me sinto abandonado,
bem no meio do mais extenso e árido dos desertos. Vagando cambaleante, dia e
noite, a procura de qualquer gole dágua ou resto de comida que prolongue a vida
e alimente a esperança de dias menos arenosos. São longos e solitários dias.
Logo adiante, um suculento cacto
repousa com seus espinhos compridos e crocantes. O miolo tenro, aquecido pelo
forno solar de quarenta e oito graus celsius, me lembra o delicioso assado que
minha mãe costumava fazer aos domingos. Hoje, os domingos em casa parecem longe
dali.
Da base mastigada do meu
almoço, emerge uma adocicada e cristalina porção de água, o mais puro dos
elixires, não abundante (nunca é), mas suficiente para hidratar, por mais
alguns quilômetros, os pulmões maltratados pela areia fina ao redor. Sigo minha
falida jornada.
Já nem sei mais em que
direção, há tempos que me sinto andando em círculos. Creio, inclusive, já ter
devorado o mesmo cacto algumas vezes. Regenerado e, irônicamente mais
corpulento que eu, apesar das cicatrizes evidentes da minha dentição. O cacto
parece não se incomodar.
Mesmo assim eu peço licença, toda
vez, e agradeço no final. Como que cortejando-o por alimentar minhas
esperanças, muito mais que o corpo. A areia fofa e escaldante, destrói minha
articulações e grita, a cada passo meu, debochando da minha fé, no assado da
minha mãe.
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