domingo, 7 de setembro de 2014

O Calor da Fé


No meio do deserto. Me sinto abandonado, bem no meio do mais extenso e árido dos desertos. Vagando cambaleante, dia e noite, a procura de qualquer gole dágua ou resto de comida que prolongue a vida e alimente a esperança de dias menos arenosos. São longos e solitários dias.

Logo adiante, um suculento cacto repousa com seus espinhos compridos e crocantes. O miolo tenro, aquecido pelo forno solar de quarenta e oito graus celsius, me lembra o delicioso assado que minha mãe costumava fazer aos domingos. Hoje, os domingos em casa parecem longe dali.

Da base mastigada do meu almoço, emerge uma adocicada e cristalina porção de água, o mais puro dos elixires, não abundante (nunca é), mas suficiente para hidratar, por mais alguns quilômetros, os pulmões maltratados pela areia fina ao redor. Sigo minha falida jornada.

Já nem sei mais em que direção, há tempos que me sinto andando em círculos. Creio, inclusive, já ter devorado o mesmo cacto algumas vezes. Regenerado e, irônicamente mais corpulento que eu, apesar das cicatrizes evidentes da minha dentição. O cacto parece não se incomodar.

Mesmo assim eu peço licença, toda vez, e agradeço no final. Como que cortejando-o por alimentar minhas esperanças, muito mais que o corpo. A areia fofa e escaldante, destrói minha articulações e grita, a cada passo meu, debochando da minha fé, no assado da minha mãe.

Passaram-se muitos anos e, a essa altura, minha mãe já deve ter morrido. Meu corpo está velho e cansado. Foram milhares e milhares de quilômetros sem rumo, e já não lembro como me meti nessa enrascada. Começo a pensar que é hora de desistir, mas, antes, veja. Um cacto, suculento!

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