- Oi!
- Oi...
- Esperando o trem?
- Sim, é por isso eu estou aqui...
- Sei...
- É...
- ...
- E você?
- A morte!
- O que tem?
- Estou esperando por ela!
- Ah é?
- É sim!
- E ela passa por aqui?
- Hoje passa!
- E está naquela locomotiva que vem vindo?
- Não!
- Que pena...
- Já chegou!
- Ah é?
- Sim, está bem aqui!
- Tem certeza? E está vendo ela?
- Espero que sim...
- Hmm...
- Hmm-rmmm..
- Mas me diz, você faz o que?
- Sou artista!
- De que tipo?
- Taxidermia.
- Agora isso é arte?
- A minha é!
- Claro que é. E empalha o que?
- Gente!
- Gente?
- G-E-N-T-E!
- Hmmm... Legal... – (um passo de distância)
- É bem legal, queria que você pudesse ver! – (um passo de aproximação)
- Quem sabe... Um dia... – (um passo mais, ao longe)
- Acho que não... É uma pena! – (um passo e meio e tocam os ombros)
- Porque você se aproxima de mim? – (voz trêmula)
- Gostei de você! – (feição psicopática)
- Vai me matar?
- Acha que eu devia?
- Por favor não.
- Tudo bem, não mato!
- Obrigado!
- Não, digo, não mato porque não sou capaz...
- Você é estranho! E está me assustando...
- Não se assuste.
- Então não me assuste. – (riso desconfortável)
- Mas eu queria te empalhar!
- Eu? Porque eu? Por favor não!
- Porque não? Você é tão bonito!
- Porque eu sou tão jovem, e tenho família e... espere, o quê?
- Você é lindo, meu mais lindo modelo, tenho certeza!
- É mesmo? Você acha?
- Sim...
- Sei, não deve ter muitos modelos!
- Cinquenta e sete. E ainda não conto você!
- Tudo isso? E onde estão eles?
- Lojas, museu de cera, universidades... Por aí!
- E sou o mais bonito?
- É, mas... Seria!
- O que houve, me tornei feio de repente?
- Não é isso...
- Então?
- Já disse, não posso mata-lo. Entenda, não suporto violência. Sou taxidermista!
- E o que tem? Não lida com a morte o tempo todo?
- Não, como artista, empalho gente já morta, não sou capaz de matar nem uma mosca!
- Entendo...
- Decepcionado?
- Um pouco.
- Eu sinto muito.
- E se, digamos, eu me atirar nos trilhos, enquanto o trem estaciona?
- Com sorte, consigo empalha-lo!
- É, tem razão, eu acabaria desfigurado...
- De qualquer maneira, tremendo desperdício você vivo. Sei até como te deixaria...
- É mesmo? Me conta!
- Sentado com desleixo. Um terno elegante e a mão apoiando a cabeça, como se algo constrangedor o preocupasse.
- E o que mais?
- Seu rosto, ocultaria ele. Um ar de mistério, vergonha e reflexão. Inspirador!
- Uau!
- Exatamente.
- Mas e agora?
- Acho que nosso encontro acaba aqui...
- Assim, sem nenhuma perspectiva? Nunca mais o verei?
- Quem sabe um dia... Quem-sabe-um-dia.
- Espere!
- o que foi?
- Só queria que você soubesse que vou me cuidar para morrer bonito, para você!
- E eu estarei esperando, te procurando por onde for, em cada necrotério dessa cidade.
- Então até lá!
- Até...
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