sábado, 26 de maio de 2012

Madrugada Típica no Metrô



- Oi!

- Oi...

- Esperando o trem?

- Sim, é por isso eu estou aqui...

- Sei...

- É...

- ...

- E você?

- A morte!

- O que tem?

- Estou esperando por ela!

- Ah é?

- É sim!

- E ela passa por aqui?

- Hoje passa!

- E está naquela locomotiva que vem vindo?

- Não!

- Que pena...

- Já chegou!

- Ah é?

- Sim, está bem aqui!

- Tem certeza? E está vendo ela?

- Espero que sim...

- Hmm...

- Hmm-rmmm..

- Mas me diz, você faz o que?

- Sou artista!

- De que tipo?

- Taxidermia.

- Agora isso é arte?

- A minha é!

- Claro que é. E empalha o que?

- Gente!

- Gente?

- G-E-N-T-E!

- Hmmm... Legal...  – (um passo de distância)

- É bem legal, queria que você pudesse ver! – (um passo de aproximação)

- Quem sabe... Um dia... – (um passo mais, ao longe)

- Acho que não... É uma pena! – (um passo e meio e tocam os ombros)

- Porque você se aproxima de mim? – (voz trêmula)

- Gostei de você! – (feição psicopática)

- Vai me matar?

- Acha que eu devia?

- Por favor não.

- Tudo bem, não mato!

- Obrigado!

- Não, digo, não mato porque não sou capaz...

- Você é estranho! E está me assustando...

- Não se assuste.

- Então não me assuste. – (riso desconfortável)

- Mas eu queria te empalhar!

- Eu? Porque eu? Por favor não!

- Porque não? Você é tão bonito!

- Porque eu sou tão jovem, e tenho família e... espere, o quê?

- Você é lindo, meu mais lindo modelo, tenho certeza!

- É mesmo? Você acha?

- Sim...

- Sei, não deve ter muitos modelos!

- Cinquenta e sete. E ainda não conto você!

- Tudo isso? E onde estão eles?

- Lojas, museu de cera, universidades... Por aí!

- E sou o mais bonito?

- É, mas... Seria!

- O que houve, me tornei feio de repente?

- Não é isso...

- Então?

- Já disse, não posso mata-lo. Entenda, não suporto violência. Sou taxidermista!

- E o que tem? Não lida com a morte o tempo todo?

- Não, como artista, empalho gente já morta, não sou capaz de matar nem uma mosca!

- Entendo...

- Decepcionado?

- Um pouco.

- Eu sinto muito.

- E se, digamos, eu me atirar nos trilhos, enquanto o trem estaciona?

- Com sorte, consigo empalha-lo!

- É, tem razão, eu acabaria desfigurado...

- De qualquer maneira, tremendo desperdício você vivo. Sei até como te deixaria...

- É mesmo? Me conta!

- Sentado com desleixo. Um terno elegante e a mão apoiando a cabeça, como se algo constrangedor o preocupasse.

- E o que mais?

- Seu rosto, ocultaria ele. Um ar de mistério, vergonha e reflexão. Inspirador!

- Uau!

- Exatamente.

- Mas e agora?

- Acho que nosso encontro acaba aqui...

- Assim, sem nenhuma perspectiva? Nunca mais o verei?

- Quem sabe um dia... Quem-sabe-um-dia.

- Espere!

- o que foi?

- Só queria que você soubesse que vou me cuidar para morrer bonito, para você!

- E eu estarei esperando, te procurando por onde for, em cada necrotério dessa cidade.

- Então até lá!

- Até...

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