domingo, 29 de junho de 2014

Brevíssimo Ensaio Sobre o Caráter


Algo se mexe no frio lago da luz. Existe uma força, por enquanto estranha, no centro do lago que agita a água e provoca leves ondas, sacolejando sutilmente as pedras da margem. Me aproximo e, do parapeito da ponte que adorna o lago artificial, percebo um algo quase irresistente.

É um corpo. Humano! Involuntariamente trépido, de frio e medo. E pelo avesso da face, deduzo, à beira do afogamento. Debruço-me sob a ponte e observo-o com todas as minhas ponderações: Faz frio, é fato! A névoa sob a água, a fumaça ao redor da boca, o orvalho madrugal e o capote.

Tudo denuncia o frio mais invernal e, enquanto isso, alguém se afoga. Estou apenas comigo diante da cena, mas, e se não? E se de mãos dadas com a futura mãe dos meus filhos? Atiro-me bravamente ao congelante lago e salvo o desconhecido? Aceitaria Hércules uma pneumonia?

E se, mais anônimo, deparo-me com um punhado de incapazes angustiados, acenando ao pré-morto no lago, atiro-me? Ou se, sob a lente de uma câmera do horário nobre? Ou pior, diante de pequenos e marejados olhos infantis dos filhos da vítima do lago? Quando é que me molho?

Quando é que, afinal, o altruísmo sobrepuja a vaidade? Julgando que, de alguma forma ou momento, sobrepujaria. A triste verdade é que, a vida de um possível suicida está nas minhas mãos, ou, pior, sob a tutela leviana da minha vaidade. E, faz um frio do cão, volto a ressaltar!

Estou sozinho no lago da luz no alto da madrugada e, agora os espasmos são menos frequentes. E cessam. Se alguém perguntar, eu nunca estive aqui! Amanhã pela manhã, quando a polícia e os jornais terminarem seu trabalho, estarei acordando, e aos olhos da lei, eu nunca estive aqui!

2 comentários:

Paula Santos disse...

Gostei do seu texto Fa. Alias, vou checar mais regularmente o seu blog. Continue escrevendo!!

Fabiano Malta disse...

Obrigado Paula! Pela leitura e lisonja! Muito me incentiva!