sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Agnes

                                                               Arte: Cristian Girotto

Quando o celular vibra uma música pop randômica,  na cabeceira da cama, Agnes sabe que é hora de se levantar. O visor do aparelho acusa que em dez minutos serão seis horas e, talvez, falte tempo para todos os compromissos. A caminho do banheiro, Agnes confere sua agenda.

Reunião no colégio, tratamento de beleza e aula de culinária. Aula de inglês seguida de aula de francês. Natação, ioga, Pilates. Tudo antes do almoço. Agnes respira fundo e demoradamente, mal pode crer que esta são suas férias. O sol logo despontará no céu e não poderá aproveitar.

Um dia tão lindo... apenas não é justo. Em frente ao espelho, escolhe com cuidado os cremes, cada um para uma região do corpo. Esconde toda a frustração da vida sob uma pesada camada de base neutra, antes de se maquilar. Chapa o cabelo com uma máquina fervente e se veste.

Desce para o café, disposto colonialmente à mesa. Observa o pote de creme de chocolate na estante e se reprime com a promessa de evitar comidas gordurosas antes do fim de semana. Contenta-se com frutas picadas e leite frio, semidesnatado. Pensa na vida, tão semidesnatada.

Tudo é excessivamente calculado, para Agnes. Como se houvesse um propósito para tudo. Um aprendizado que não acaba. Um necessidade incansável de estar a frente, melhor que os outros. Reconhece a vida que leva como sua, questiona apenas a possibilidade de uma tarde no parque.

Junta suas pastas, bolsa, celular, agenda e segue com a governanta da casa até o carro de Jurandir. São sete horas e, como de costume, o chofer pergunta sobre seus afazeres: “Tanta coisa...”- Ela diz. “Êta menina dedicada!” – “É!” – “E vai ser o quê quando crescer?” – “Criança...”

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