Arte: Cristian Girotto
Quando o celular vibra uma música pop randômica, na cabeceira da cama, Agnes sabe que é hora de se
levantar. O visor do aparelho acusa que em dez minutos serão seis horas e,
talvez, falte tempo para todos os compromissos. A caminho do banheiro, Agnes
confere sua agenda.
Reunião no colégio, tratamento
de beleza e aula de culinária. Aula de inglês seguida de aula de francês.
Natação, ioga, Pilates. Tudo antes do almoço. Agnes respira fundo e
demoradamente, mal pode crer que esta são suas férias. O sol logo despontará no
céu e não poderá aproveitar.
Um dia tão lindo... apenas não
é justo. Em frente ao espelho, escolhe com cuidado os cremes, cada um para uma
região do corpo. Esconde toda a frustração da vida sob uma pesada camada de base
neutra, antes de se maquilar. Chapa o cabelo com uma máquina fervente e se
veste.
Desce para o café, disposto colonialmente
à mesa. Observa o pote de creme de chocolate na estante e se reprime com a
promessa de evitar comidas gordurosas antes do fim de semana. Contenta-se com
frutas picadas e leite frio, semidesnatado. Pensa na vida, tão semidesnatada.
Tudo é excessivamente
calculado, para Agnes. Como se houvesse um propósito para tudo. Um aprendizado
que não acaba. Um necessidade incansável de estar a frente, melhor que os
outros. Reconhece a vida que leva como sua, questiona apenas a possibilidade de
uma tarde no parque.
Junta suas pastas, bolsa, celular,
agenda e segue com a governanta da casa até o carro de Jurandir. São sete horas
e, como de costume, o chofer pergunta sobre seus afazeres: “Tanta coisa...”- Ela
diz. “Êta menina dedicada!” – “É!” – “E vai ser o quê quando crescer?” – “Criança...”
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