No último dia no ano que
passou, estava quente feito o cão, um verão dos infernos! Decidi, então,
abandonar de vez o maniqueísmo de mim e convidar, Deus e Diabo, para relaxar num papo descontraído.
Mandei-os ao boteco do Pulga, pois, minha garganta coçava por um trago.
Com pouco atraso, deu as caras
o Capeta, sorridente e debochado, com a língua de fora. Cumprimentou-me feito velho
conhecido, e deu-me um bilhete muito branco, riscado com letras angelicais: “Desculpe
Fabiano, mas, no Pulga não vou. Te espero para um café. Att, O Pai”.
“Porra!” – Esbravejei do alto
do meu segundo whisky – “Tive todo o cuidado de escolher um lugar nem cá, nem
lá e o cara me vem com essa ladainha de que aqui não dá? Ouviu isso, Pulga?” –
O dono da bodega consentiu, como se soubesse que Deus jamais apareceria por
ali.
Ergui o copo ao Coisa-ruim e
ofereci um brinde ao ausente. Ele, excitado pelo deboche ébrio, ergueu seu copo
em direção ao meu e, com a outra mão tragou inesitante, o copo cheio que
separei para Deus, antes dos dois chegarem. “O primeiro é do santo!” – Disse ele
gargalhando.
“Aê Pulga, vai enchendo que é por
minha conta!” – Ordenou o Sete-peles, como se amigo do cara. Olhei desconfiado.
“Vira e mexe tô aqui, recrutando umas almas bêbadas e fáceis de levar.” – Pulga
acenou positivamente, ouvindo a conversa de cabeça baixa, enquanto lavava uns
copos.
“Porra, Deus é foda...” –
Disse eu magoado, já no próximo estágio da bebida. “Pois é, meu velho, o cara
só dá furo! Tu tem que fechar comigo. Aqui é parceria mesmo. Chamou eu vou!” –
Ofereceu, oportuno, o Anjo-caído, tentando me convencer às trevas. Abracei-o
afetuosamente.
“Cara, gosto para caralho de
você!” – Soltei, sincero e de língua mole – “E também tenho o maior apreço pelo
cara lá de cima!” – Ele assustou e, marejou os olhos – “Mas não vou contigo,
porque, na prática, não acredito no trampo de vocês...” – O fiz, então, chorar feito
uma criança bêbada.
“Ei, ei!” – Afaguei-o – “Não
quer dizer que não podemos tomar um goró de vez em quando! Tu é bacana, bicho! Só
que essa coisa de céu e inferno, para mim, é uma besteira sem tamanho. Mas olha
aí, esse monte de babaca bebendo, loucos para serem convencidos em subir ou
descer!".
“Comigo é isso!” – Continuei, buscando
concluir – “Um porre contigo e um café com Deus. Topa?” – Ele acenou
positivamente, enxugando as lágrimas dos olhos, e eu me despedi. Pedi ao Pulga
que pendurasse minha bebida na conta do Capiroto, e empurrei a porta de saída.
Era meia-noite e os fogos da
virada brilhavam no céu, iluminando o letreiro do bar: Pulgatorium – “Dava uma foto boa!” – Pensei, cambaleante. No ano
seguinte, acordei em casa, sem saber como tinha chegado lá e, a foto do boteco,
em meio aos fogos, era tudo que eu lembrava...
Nenhum comentário:
Postar um comentário