terça-feira, 31 de dezembro de 2013

No Reveillon


No último dia no ano que passou, estava quente feito o cão, um verão dos infernos! Decidi, então, abandonar de vez o maniqueísmo de mim e convidar, Deus e  Diabo, para relaxar num papo descontraído. Mandei-os ao boteco do Pulga, pois, minha garganta coçava por um trago.

Com pouco atraso, deu as caras o Capeta, sorridente e debochado, com a língua de fora. Cumprimentou-me feito velho conhecido, e deu-me um bilhete muito branco, riscado com letras angelicais: “Desculpe Fabiano, mas, no Pulga não vou. Te espero para um café. Att, O Pai”.

“Porra!” – Esbravejei do alto do meu segundo whisky – “Tive todo o cuidado de escolher um lugar nem cá, nem lá e o cara me vem com essa ladainha de que aqui não dá? Ouviu isso, Pulga?” – O dono da bodega consentiu, como se soubesse que Deus jamais apareceria por ali.

Ergui o copo ao Coisa-ruim e ofereci um brinde ao ausente. Ele, excitado pelo deboche ébrio, ergueu seu copo em direção ao meu e, com a outra mão tragou inesitante, o copo cheio que separei para Deus, antes dos dois chegarem. “O primeiro é do santo!” – Disse ele gargalhando.

“Aê Pulga, vai enchendo que é por minha conta!” – Ordenou o Sete-peles, como se amigo do cara. Olhei desconfiado. “Vira e mexe tô aqui, recrutando umas almas bêbadas e fáceis de levar.” – Pulga acenou positivamente, ouvindo a conversa de cabeça baixa, enquanto lavava uns copos.

“Porra, Deus é foda...” – Disse eu magoado, já no próximo estágio da bebida. “Pois é, meu velho, o cara só dá furo! Tu tem que fechar comigo. Aqui é parceria mesmo. Chamou eu vou!” – Ofereceu, oportuno, o Anjo-caído, tentando me convencer às trevas. Abracei-o afetuosamente.

“Cara, gosto para caralho de você!” – Soltei, sincero e de língua mole – “E também tenho o maior apreço pelo cara lá de cima!” – Ele assustou e, marejou os olhos – “Mas não vou contigo, porque, na prática, não acredito no trampo de vocês...” – O fiz, então, chorar feito uma criança bêbada.

“Ei, ei!” – Afaguei-o – “Não quer dizer que não podemos tomar um goró de vez em quando! Tu é bacana, bicho! Só que essa coisa de céu e inferno, para mim, é uma besteira sem tamanho. Mas olha aí, esse monte de babaca bebendo, loucos para serem convencidos em subir ou descer!".

“Comigo é isso!” – Continuei, buscando concluir – “Um porre contigo e um café com Deus. Topa?” – Ele acenou positivamente, enxugando as lágrimas dos olhos, e eu me despedi. Pedi ao Pulga que pendurasse minha bebida na conta do Capiroto, e empurrei a porta de saída.

Era meia-noite e os fogos da virada brilhavam no céu, iluminando o letreiro do bar: Pulgatorium – “Dava uma foto boa!” – Pensei, cambaleante. No ano seguinte, acordei em casa, sem saber como tinha chegado lá e, a foto do boteco, em meio aos fogos, era tudo que eu lembrava...

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