quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Chove na Lua


No chão rachado, nem sinal de água. A terra seca e craquelada traz nela uma beleza sórdida e sedenta. Plástica, mas, tão sombria. Fabiano está estatelado, a meio caminho de qualquer lugar, em todas as direções. Nada que faça, fará com que sobreviva, no agreste do mundo.

Está exatamente em lugar nenhum. Distante das câmeras da TV e da importância que as pessoas dão aos dramas alheios. Fabiano observa o quilo de carne seca no chão e as duas peças de rapadura caídas pelo caminho. Alguém dará falta da carne quando ela não estiver lá.

Na dispensa arejada e assombreada de alguém que não costuma ter fome. A família de Fabiano terá mais fome. Quando a rapadura melar o solo seco do sertão, terão mais fome ainda. E os mocinhos da cidade se queixarão da sobremesa ausente depois que o prato limpo.

O sol castiga o solo e a pele, no deserto sertanejo. E a pele de Fabiano já apresenta os mesmos sintomas da terra. Ressecada e rachada, estão quase fundidos. O tempo se estende, lentamente. E se esgota, lentamente. Morrer, dura quase mais tempo que a própria gestação.

Uma gota d’água e nada disso seria necessário. A sede, o sufoco e a insolação, inexistiriam. Apenas uma gota para uma outra história. Mais verde e azul, menos opaca. Menos crua. Anoitece na terra do abandono. O sol vai embora. Ninguém fica. Nem Deus, nem os urubus.

Sobra apenas Fabiano no breu absoluto. Um escuro frio, que o refresca e mata, sadicamente e sem nenhuma pressa. Sobra junto, a respiração ruidosa e roca de seus pulmões empoeirados. É sábado, e a vida segue ao redor do mundo. A mesma vida desidratada e anônima do sertão.

No alto da noite, desponta no céu um semiastro luminoso. É a lua. Cheia. Um holofote espectral que reascende as fendas do chão e evidencia carcaças esquecidas ao tempo. Fabiano já é quase a carcaça de si e, entre medos e delírios, percebe que, lá em cima, na lua, chove...

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