Miro na política dos
caramujos. Aliás, me orgulho muito dos caramujos que sabem mesmo ir além da
condição caramújica deles. E se digo, é com conhecimento de causa, que os conheço
bem! Ontem a noite, juro a vocês, brindei três ou quatro garrafas numa roda
molúscula!
E foi lá pelo terceiro copo
que um deles disse: “Rapaz, me trás uma cerveja bem gelada que, se eu saio para
buscar talvez não volte ou, se voltar, perdeu o gelo!” – No caminho à
geladeira, gargalhei tanto quanto chorei da clareza limitante que têm meus
simpáticos amigos viscosos.
Os caramujos não têm tempo a
perder nesse mundo e rastejam seu pouco tempo em velocidade milimétrica. Quase
me falta ar, só de pensar no tempo que levam para ir daqui a ali. A noção que
eu tinha, antes da noite de ontem, é que os caramujos morriam, de tédio!
Aí o mais sábio deles, já
ebriizado como todos nós, me contou sem nenhuma pressa que, pressa, é coisa
para otário! “Pense em nós dois, humano!” – Veio ele com a lição – “Minha
lentidão e poucos anos, são exatamente como suas pernas apressadas e seus tantos
anos”.
O maldito comparou toda minha
trajetória, entre pernas, rodas e asas, e me provou por A mais B que não há
muita vantagem nessa condição bípede/sapiens/apressadus. Tudo o que eu vejo ao
longo dos anos é tudo o que ele vê. E apenas duas coisas determinam nossas
espécies:
A primeira é a cerveja gelada
que, segundo ele, é o grande trunfo do ser humano, pois, os moluscos (pobres
moluscos) nunca conseguem uma cerveja gelada por conta própria. A outra é a
paciência que, o ser humano (pobres humanos) nunca obtém por conta própria. E
foi além:
“Quando te digo paciência,
humano, me refiro à paz da ciência. Conhecer o que te cabe conhecer, sem
esperar que seja uma necessidade urgente. Tome seu tempo para descobrir as
coisas. Beba uma cerveja no caminho. É saborosa, não é? Deguste essa cerveja. E
a vida!”.
Nessa hora fui buscar mais uma
garrafa e gritei de longe: “Opa, essa tá trincando!” – E todos eles vibraram,
sabendo que, mesmo de longe, eu traria o néctar ainda em condição polar para a
roda. Aí o sábio fez questão de ratificar a filosofia ébria, sacramentando-a à
conversa:
“O que te faz feliz, humano: A
rotina das coisas boas, ou a coisa boa que surpreende?” – Pensei primeiro na
coisa boa que se repete sucessivamente, mas, a repetição cansa qualquer coisa
boa, tornando-a óbvia, como a cerveja gelada. Optei pela surpresa, convicto da
escolha.
“Pois essa é a única
felicidade possível!” – Garantiu meu guru lêsmico – “Gastei mais de meia vida
para sentar nessa mesa com você, quando eu for embora, é para morrer pelo
caminho. Não posso contar com a felicidade das coisas que se repetem porque não
há garantias”.
“E se não há garantias,
prefiro a expectativa despretensiosa das surpresas. Eu jamais conseguiria
atravessar o mundo ou outras culturas, quiçá um jardim florido! Então minha
felicidade está na infimidade oculta em cada centímetro adiante, sempre
adiante.” – Disse ele.
Nesse momento, contemplamos
todos, o desejo pela plenitude da felicidade. Nos abraçamos e nos homenageamos
com a sinceridade exacerbada do álcool. Eu, ainda catártico, fiquei à mesa um
tempo, enquanto eles se despediam de mim e entre eles. Efusivos e apaixonados.
Alguns bons minutos depois, voltei
a mim e paguei a conta. Levantei zonzo e fui em direção a saída, mas, antes de
chegar, passei por eles e cada um jazia pelo caminho, uns aqui outros ali. Vocês
talvez não queiram acreditar, mas, sorriam. Estavam felizes e, talvez até mais que
eu...
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