sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A Velha História dos Cigarros


Tobias, um homem distinto. Exímio corretor de imóveis do lado oeste da capital. Se algo está à venda, em suas mãos estava! Marido exemplar. A esposa, mulher completa, se gaba à vizinhança por todos os mimos e cortejos entregues por seu homem. Flores, brincos e bilhetes.

Sem filhos, mas, tio de dois adoráveis pequenos. Não existe uma só semana sem entretê-los à exaustão, nas merecidas folgas paternas do irmão mais novo. Amigo fiel. Está lá para eles, todo dia, todo instante e, em todo enrosco. Que diabos então irá desestruturar esse homem?

Celular vibrando, uma mensagem: “Amor to atrasada!!! To c medo, me liga?” – Nunca ligou. “Bias, ja era, to gravida o q a gente faz?” – Um mês dpois, deletada. “Seu cachorro, to fdd c essa barriga aki. Vc vai pagar mto caro!” – Não se acuou. Seis meses mais e alguma paz.

Um dia, dissimulando o tormento mensageiro dos últimos meses e, fingindo a todos a costumeira eloquência, deitou-se na rede do quintal, durante uma reunião de domingo. Apreciou a perfeição daquele momento: Linda esposa e amigos leais. Acendeu um cigarro.

Inspirou profundamente e expeliu a fumaça repetidas vezes, preenchido com o amor dos mais próximos e o respeito dos colegas de trabalho. No último trago, se deu conta do fim do maço e anunciou sua ida à padaria. Beijou a esposa suavemente nos lábios e, saindo, parou na porta.

Um embrulho pulsante agitava o pequeno cobertorzinho do aconchegante cesto deixado na soleira da sua porta, na altura dos seus pés. Só podia ser uma coisa, sabia. Constatou quando ouviu o estridente som de um choro faminto. Na alça um bilhete: “É seu, agora se vira!”.

Atônito, resistiu dois eternos minutos, congelado da cabeça aos pés. No terceiro corria desgovernado pelas ruas mais remotas, distanciando-se do seu paraíso particular. O embrulho, ainda sem forma, cessou o choro durante o chacoalhar. Tobias mostrou-se apreensivo.

Sentado num banco, numa pequena praça, livrou-o dos panos e assistiu, pela primeira vez, um rostinho sorridente, certamente animado com o chacoalhar de minutos antes. Dono do mesmo espírito aventureiro do pai. Seu filho, seu primeiro e único filho. Ops, filha, conferiu.

Babou por muito tempo naquela obra maravilhosa da qual fez parte e que, desastrosamente, negligenciou por toda a gestação. Arrependeu-se pela amante. Deve ter sido difícil. Sofreu antecipadamente pela esposa, o que diria? Seu mundo, sua reputação, tudo por terra.

Não! Não abriria mão de tudo o que conquistara por um serzinho minúsculo como aquele! Abandonaria da mesma forma que recebera, pela porta de casa. Com certeza alguém poderia amá-la. Se ele pôde, num segundo, qualquer um poderia. Melhor para todos, o mundo segue.

Mas tão bonitinha. Como deixa-la nas mãos sujas de um desconhecido qualquer? Acabaria num orfanato. Na rua, nas drogas. Prostituição. Não podia! Decidiu levar para casa, a esposa, tão prestativa, só poderia entender. A filha que não tiveram. A filha dos dois. Família feliz.

Até parece, ela jamais entenderia... Como entender a falta de escrúpulos em um homem tão íntegro. Melhor abandonar a pequena por perto, para acompanhar de espreita, mas sem se apegar demais. Quem sabe com um amigo não acabaria apadrinhando ela? O plano perfeito.

Também não, se ficar perto demais vai se apegar. Logo irá reivindicar o direito paterno. Vai ser merda no ventilador da mesma forma. Melhor deixar longe, bem longe... Alguém rico. É isso! Alguém rico, velho e carente. Vai cuidar dela como uma neta, será a princesa do castelo.

Pronto! Achar o castelo não vai ser difícil, tantos casarões naquela área. Está ali! Casa branca, clássica, vigas gregas, um Rolls Royce. Quem mais, além de um velho solitário para morar num mausoléu assim? Tobias vai à porta, deixa o cesto e toca a campainha. Corre para um arbusto.

Acompanha a aparição formal do mordomo que apanha o cesto, olha em todas a direções e desaparece porta adentro. Um alívio. Uma angústia! Sente falta da Nina. Esse será seu nome: Nina! E Nina tem pai! Corre até a porta e toca a campainha. Soca o mordomo e toma o cesto.

Corre de novo. Já não importa a reputação em casa. A esposa, os amigos, o trabalho, tudo fica para trás. Só importa Nina! Toma um ônibus para qualquer lugar e desaparece vitorioso para longe. A vida dali em diante era apenas Tobias e Nina. Pai e filha. Família, sangue, muito amor.

Muito tempo depois, bem longe dali, num dia de matrícula no colégio, Tobias encontra a antiga amante, mãe da Nina. A indiferença da mulher com a própria filha choca Tobias, que não tinha interesse de nenhuma apresentação. Os três se entreolham desconfortavelmente.

Sem resistir Tobias informa: “Essa é Nina, MINHA filha!” – “Gozado, deve ter puxado a mãe!”, debochou a mulher. Tobias envolve Nina nos braços e percebe a aproximação de um garoto. “A propósito, esse é Tulio, meu filho, puxou o pai. Pelo visto estudará com SUA Nina!”.

Sim, Túlio era a cara de Tobias. O bom homem percebera naquele momento que Nina não carregava nenhum de seus traços, enquanto Túlio, todos. Fora enganado... Fora? Beijou Nina na testa e disse: “Te amo filhota, vamos?”. E perpetuou todo o seu amor na filha querida.

Nunca teve crises ou arrependimento, Nina era sua filha! Família, criação e muito amor. Preferiu não enlouquecer. Abdicou de Túlio... A esposa, por outro lado, mesmo depois de todo esse tempo, ainda dizia: “Meu marido? Saiu para comprar cigarros... e nunca mais voltou”.

2 comentários:

Ruiz Aquino disse...

Caro autor:

Gostaria de que me informasse os valores e condições para aquisição dos direitos do texto à cima, em sua futura adaptação para mídia audiovisual.

Atenciosamente.

Fabiano Malta disse...

Hahaha para você? Além da imensa honra, troco por um abraço...