quarta-feira, 11 de maio de 2011

Na Janela


O vento que bate na cara limpa. A brisa suave que acaricia a pele, os pelos, e deixa escapar o sorriso involuntário da felicidade. Fios de baba no ar, fios que ficam para trás na estrada. Próxima encarnação quero levar uma vida menos premeditada, uma autêntica vida de cão.

Não essa cheia de compromissos e preocupações. Nem, tampouco, aquela do cão abandonado ao lixo, tentando alcançar as sarnas no dorso. Na verdade, nem o cão ipsis literis, capacho de estimação. Mas uma vida que, em segurança, não me tire o sono no alto da madrugada.

O que eu queria mesmo era poder contar com o despreparo para o futuro. Ter a absoluta convicção de não ter ideia do que vem adiante. Essa tarefa inesgotável de planejar tudo, de pensar nas consequências para o meu desenvolvimento, dá um trabalho danado, do cão!

Olho para meu par de tênis surrados (um ano de uso) e arrepio pelos que ainda nem nasceram. Preciso de novos! Vou a uma loja e sei que o novo tem que ser confortável, elegante, sofisticado e , de quebra, caber no meu orçamento. “Parcela em quantas esse aqui?”

Daí eu vejo uma bolinha de tênis na gôndola ao lado do caixa e tudo, tudo o que eu quero é poder arremessa-la o mais longe possível pelo corredor do shopping. Daí sair correndo, por cima de todo mundo, até alcança-la com minha mandíbula. As pequenas glórias do dia...

Depois do tênis é o óleo do carro. Depois o carro inteiro. Encontrar uma esposa. Ser feliz. Um apartamento. O nome das crianças. Um apartamento maior, uma casa. Escritório. Contas. Economia. Viajar. Vida sexual. Aposentadoria. Aposentadoria? Putz, esqueci! Tarde demais...

Os sonhos. Claro! Os sonhos ficam para depois. Tão logo eu descubra as limitações da idade, vou sentar na cadeira de balanço, na sacada da casa velha e vazia e ter, finalmente, tempo de sobra para sonhar. Vento nas árvores, fralda geriátrica, babador e visão turva. Inércia plena.

Só que, segundos antes de eu sufocar de vez essa angústia, vai passar na minha frente um carro, e nele um cachorro debruçado na janela. Cabeça para fora, vento na cara, olhos semicerrados, baba desgovernada e, satisfeito, sem absolutamente nada na cabeça!

Um comentário:

Tatianaloucadacabeca! disse...

Pronto Fá, era isso.