domingo, 17 de abril de 2011

A História do Bravo e Destemido Cavaleiro Que Era Também Corajoso e Valente


Eis que um bravo e destemido cavaleiro avança em direção à porta da grande Casa das Sensações. É abordado pelo guardião da casa: “Bom dia senhor, seja bem-vindo à Casa das Sensações. Você que é tão destemido, queira, por favor, avançar à primeira porta!”.

Reconhecendo sua bravura, avançou dois passos e, com a mão na maçaneta, ousou perguntar: “Mas caro guardião da casa, como funciona isso?” – “Você entrará e terá que escolher entre duas portas. Não importa a situação, deverá respeitar seus sentimentos”.

O cavaleiro irrompeu a porta que não tinha nome e, na primeira sala, compreendeu a dinâmica do jogo. Havia lá duas portas: Medo e Honra. “Não tenho medo!” – disse, empurrando a Honra. Ajoelhou-se, diante do sagrado livro de conduta dos cavaleiros.

Na extremidade oposta outras duas portas o esperavam: Medo e Benevolência. Saudou, benévolo, seus inimigos e traidores. Cumprimentou-os com absoluto respeito e avançou. Na outra ponta, teve de escolher entre Medo e Paixão. Sem titubear, correu apaixonado.

Encontrou lá o grande amor da adolescência e, após um longo e molhado beijo, caminharam de mãos dadas até que, entre choros e abraços despediram-se, ao pé das novas portas: Medo e Admiração. “Não tenho medo!” – gabou-se à jovem donzela.

Encontrou o pai de costas, forjando uma bela espada dourada. A beleza com que manejava aquele objeto volátil e incandescente, enchia os olhos do cavaleiro de luz. O pai, obstinado, não podia vê-lo, mesmo assim acenou até cruzar a sala às novas portas.

Mal deu bola à porta Medo dessa vez, penetrou imponente à porta da Confiança. Pisava firme sobre a ponte velha e quebradiça que se estendia pela sala. No fim, abriu devagar e entrou muito delicadamente na porta do Amor, deixando o Medo novamente para trás.

Meteu o dedo no creme que a mãe preparava na cozinha e beijou sua testa. Gastou um bom tempo acariciando seus cabelos até que a torta ficasse pronta. Comeu duas porções e despediu-se depois de um abraço forte e caloroso. Caminhou leve e preenchido.

Empurrou sem esforços a porta da Felicidade e correu, feito menino inocente, pelo campo com seus irmãos e amigos de infância, todos meninos, aquém das mazelas do mundo. De trás de uma das macieiras do campo, brotavam do chão outras duas portas.

Entrou pensativo à Sabedoria e, pela primeira vez franziu a testa, dando-se conta de ter deixado uma nova porta Medo às costas. Coçou o queixo e chocou-se com o volume da sua barba. Era agora um homem velho e cansado. Entendia finalmente o truque.

O que tinha para encontrar ali, na Casa das Sensações, era o medo. De todas as sensações do mundo, de todos os sentimentos que podia sentir, desconhecia o medo. Não sabia o que encontraria na porta e, francamente, não tinha medo. Mas tinha o dever.

No fim da sala, sucumbiu novamente às artimanhas do jogo. A casa, traiçoeira, brincava com as sensações de seus jogadores. As portas que surgiram eram: Medo e Curiosidade. Tinha que entrar em Medo, sabia, mas por pura curiosidade. Respeitou os sentimentos.

Curiosidade adentro, arrepiou-se pela primeira vez em vida. Despiu-se das armaduras. Espelhos por todos os lados e mil portas em fila. Todas com os mesmos dizeres: Medo, Medo, Medo... Não tinha escolha e não soube o que fazer. Tantos medos diferentes.

“Não tenho medo!” – Insistiu. Fitou os espelhos e hipnotizou-se com seu aspecto. Tempo demais sendo corajoso, jamais conheceria o medo. Respirou fundo e, bravamente, atirou-se contra os espelhos, deixando que o sangue quente esvaísse do corpo.

Um comentário:

Anônimo disse...

muito bom... e me faz continuar os pensamentos do velório de agora... o que ja não é tão bom... beijos!