É o que eu quero que os médicos digam quando vierem notificar minha família. “Falência múltipla dos órgãos”. Mas deixo claro, desde já, que não anseio morrer e minha saúde vai bem, aliás. É que pelo inevitável que baterá à porta cedo ou tarde, eis meu capricho mórbido.
E não me encare com essas sobrancelhas prepotentes quando eu digo sobre a falência múltipla, pois você não ama a vida mais do que eu! Sei que te parece sombrio ou, ainda, derrotista, mas num instante te faço compreender a morte mais encantadora que há.
Aquela que nos arrebata tão unânime que covardia acaba sendo lutar contra. A mesma que divide a culpa com todos os fatores internos e externos (do corpo e da vida) e minimiza o vilão, o diluindo no organismo, por todos os lados, não permitindo que se aponte a uma direção.
Pois é exatamente quando penso em falência múltipla que tenho a certeza mais absoluta que a hora chegou. Você não? A mim apenas uma certeza serena. Não como a morte teimosa de um dos órgãos se rebelando com o resto do corpo, exigindo, adolescente, toda a atenção para si.
Nem quando um carro te arrebata distraído na rua, ou, quando o fogo te derrete a pele, os músculos e te encerra a vida antes de atingir os órgãos. Ou ainda, e mais angustiante, no sufocamento dilacerante da água salobra (e infestada de tubarões) invadindo os pulmões.
Mas é na falência múltipla que o corpo chega a um consenso extremamente democrático sobre o fim. Do jogo, da vida. É o resultado fulminante da conferência dos órgãos dizendo: Não dá mais! E todos juntos, como se derrubassem o disjuntor, cessam o trabalho à aposentadoria.
Portanto não anseio da Morte o desafio à ultima partida de xadrez, mas, já que ela acenará soturna, qualquer dia a partir de hoje, que me leve irreversível, para que não me arrependa de ceder, e para que possa admitir a derrota nalgum lugar mais calmo, bem longe do meu corpo.
4 comentários:
esta crônica está ótima!
parabens cara!
falência múltipla de orgãos para todos nós. Parece justo.
Muuuito bom!!!
Falência múltipla para todos nós! Gostei disso!! haha
Gostei dessa crônica, suave e mórbida, alegre e triste, ótima. Abração
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