domingo, 12 de junho de 2011

Jantar de Negócios


Então eu estava nesse restaurante de primeira linha. Simplesmente estava lá. E nunca tinha estado antes. E nem sabia como tinha chegado. Mas estava, e bem acomodado numa mesa central, na companhia desse homem, estranhamente familiar. Mas eu nunca tinha o visto.

Bebíamos uma bebida preta e espessa, bastante licorosa. Eram perfeitamente iguais, mas eu tinha a impressão que não. Comíamos uma papa, uma espécie de angu avermelhado que, embora também parecessem idênticos e deliciosos, certamente não tinham o mesmo sabor.

Conversávamos avidamente, o senhor e eu, como se fôssemos, afinal, íntimos. Mas eu não ouvia o que ele dizia. Seus lábios se movimentavam e eu compreendia cada palavra, embora não as ouvisse. Também não conseguia me ouvir, aliás, nada à minha volta tinha som próprio.

Apenas uma música, orquestrada e indefinida coordenava minha surdez seletiva. Num gesto descuidado derrubei a colher e, ao tentar recuperá-la, percorri o chão sem sucesso. Retomei minha posição discretamente e lá estava ela, estacionada na mesa, bem ao lado do angu.

O jantar todo se desenrolava em um ritual absolutamente incomum. As coisas aconteciam em câmera lenta, mas, por acaso, eu não me comportava com desconfiança, apenas agia como se compreendesse tudo aquilo. E não havia garçons, apenas clientes espalhados pelas mesas.

Notei então, na mesa ao lado, minha primeira namorada, meu primeiro amor, uma pessoa conhecida em um lugar desconhecido. Perfeitamente normal. A acompanhava o mais antigo dos meus amigos. Eles nunca se conheceram, que eu saiba, mas pareciam íntimos ali. Normal.

Noutra mesa estavam os meus familiares. Pai, mãe, tios, avós. Celebravam alguma coisa, estavam felizes e agitados, em câmera lenta. Noutra mesa meu professor preferido, noutra os amigos do futebol, noutras meus desafetos e, todo o restaurante se ocupava de conhecidos.

Ao mesmo tempo em que mantinha o diálogo com o velho à minha frente, meus olhos percorriam o recinto e, na parede destacavam-se quadros surrealistas de episódios muito particulares da minha vida. Era só uma percepção, nada irrompia a serenidade daquele jantar.

E aquelas cenas quadrificadas provocavam sensações em mim, boas e más. Nostálgicas. Mas não conseguia exterioriza-las. Nem tentava, na verdade. A sensação, por si só, bastava naquele momento. Comemos nosso angu, finalizamos nosso licor e pousamos as colheres, satisfeitos.

Nas outras mesas, os outros clientes interagiam entre si. Também tinham terminado seus angus. Também tinham esvaziado suas taças de licor. E conversavam e gesticulavam como se empolgados por algum assunto que dominassem. As sobremesas brotaram nos nossos pratos.

Degustávamos um creme branco e denso, polvilhado com confeitos coloridos. Não era quente ou frio, mas exalava muita fumaça. Cada um de nós metia a colher na boca com prazer, embora o creme não tivesse gosto algum. Olhei mais uma vez para o que estava à minha volta.

Tudo ali parecia muito pessoal, meu em cada detalhe. Agradeci ao velho como se fosse ele o responsável. Gesticulei ao além o pedido da conta e antes que baixasse a mão, estava ela trançada entre meus dedos. Conferi os itens e me confundiu a descrição de cada um deles.

Constavam ali memórias, lembranças, homenagens e atitudes involuntárias. Coisas das quais eu não me recordava, embora as admitisse servidas ali, naquele jantar. Fitei o velho e, com certa inocência, perguntei: “É isso o juízo final? É disso que se trata estar aqui? Eu morri?”.

Sua aparência mudou. Tornou-se sério e nada simpático. Atirou o guardanapo na mesa, com deselegância, e se levantou indignado, como se ofendido com minha indagação. Todos os outros convidados, meus conhecidos, encaravam-me com incredulidade e desaprovação.

Constrangido e, abandonado na mesa, levantei-me e passei a recolher cada prato de cada mesa. Empilhei-os todos nos braços e caminhei até a cozinha, desolado. Abandonei-os e me virei para o salão esvaziado. Sem convidados, sem quadros. Apenas a conta sobre a mesa.

Recuperei-a de saída e reavaliei o resultado da soma dos itens. Olhei para o salão oco, apático e assumi a beleza do momento anterior. Assinei confiante a conta, e parti para fora. Senti um calafrio intenso, como se tivesse algo sendo sugado de dentro de mim para sempre.

Porta a fora estavam todos, os convidados e o velho, lindas mulheres desconhecidas. Me aplaudiam e abraçavam. Eu era especial, estava claro. Querido, finalmente. Voltamos ao restaurante decorado e aquilo que eu entreguei, durante o calafrio, talvez não me fizesse falta.

Um comentário:

Tati disse...

Fa, que viagem. Voce sonhou isso?
Ahahah. Sonho ou nao, nao podemos negar que sua mente é fértil pra dedéu! Ahahahah! Gostei.
Beijos!
Alice.