segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A Vampira da Praça do Fubá


Quando eu era pequeno, havia esse mito da vampira da praça do fubá. Nunca morei noutro lugar que não num dos muitos prédios que cercam a praça. Centro da cidade, cidade grande. E desde bastante menino corro e brinco entre suas árvores. Mas isso apenas durante o dia.

De noite, a praça torna-se um lugar mal frequentado, segundo minha avó. Lotado de marginais. E a vampira. Quando menino, antes de dormir, eu caçava com os olhos a rainha dos condenados. Custou até que eu descobrisse não se tratar de nenhuma delas, especificamente.

Eram muitas vagando por lá. Por isso tratei de eleger minha própria vampira. Algumas semanas as observando e acabei encontrando uma linda pretendente: Branca feito algodão, cabelos negros e maquiagem pesada. O perfeito estereótipo de um ser notívago e soturno.

Nunca consegui, durante minha infância, descobrir como desaparecia e para onde ia minha musa ocultista. Eu dormia antes... Essa obsessão cresceu em mim como um desejo sôfrego e puro de estar com ela e ser dela. Compreende-la. Na puberdade esse ímpeto aumentou.

Ainda não entendia como funcionava seu mecanismo. Andava pelos becos mais escuros durante o dia, em busca da escuridão onde repousava aquela beleza sufocante. Estava enfeitiçado pela deusa das trevas, disposto a oferecer minha própria carne por sua eternidade.

Como nessa época eu já tinha conquistado certa liberdade, só voltava para casa depois que elas começavam a surgir na praça. Rigorosamente às sete da noite, pousava delicadamente minha musa. Imponente, jovial, aromática e perfeita. Não a encarava mais que três segundos.

Mas já tinha entendido como se configurava cada etapa daquele ritual misterioso e sensual: Um homem discreto e randômico se aproximava com algumas notas, ela conferia uma a uma e, então, desapareciam juntos pela noite. Pouco tempo depois ela voltava, sozinha e intacta.

Depois que descobri o que faziam, achei curiosa essa transação. Logo na praça do fubá que herdou esse nome depois da lei áurea, quando os escravos, jogados às ruas, vendiam ilicitamente a farinha que produziam, para sobreviver. Anos depois, era a mesma motivação.

Agora estava claro que eu precisava dela mais do que nunca. Meus hormônios adolescentes não cabiam no meu corpo ou nas minhas fantasias. Juntei o dinheiro de um mês todo e fui até ela. Sem saber como a abordaria, o que faria e como seria minha vida depois dessa noite.

Parei em sua frente e percebi uma hesitação. Mostrei-lhes as notas e ela olhou para os lados. Tomou-as das minhas mãos e perguntou o que eu queria. Dei os ombros e olhei para o chão. Ela pegou na minha mão e caminhou comigo até um velho hotel, dobrando uma esquina.

Lá, ela tirou cada peça de roupa minha e despiu-se bem devagar. Pôs os seios à mostra e era toda impecável. Lisa, alva, reluzente. Deu-me as costas e encantou-me com movimentos sutis enquanto descia a última e minúscula peça de roupa. Sorriu libidinosa por cima dos ombros.

Eu estava ofegante e inebriado. Nunca estive tão excitado antes. Tremia. Ela virou-se em minha direção protegendo o sexo, como se me guardasse uma surpresa. Bem diante de mim, soltou as mãos e agarrou-se à minha cintura. Tive uma sensação estranha nas minhas pernas.

Não entendia nada de anatomia feminina naquela época, mas o calor que senti com a aproximação dela, era muito parecido com o calor que eu oferecia. Mas devia ser assim, eu jamais saberia que não. Sei que aquela experiência mudou toda a minha vida. Numa única vez!

Acabei tendo outras experiências, menos promíscuas e certamente mais autênticas. Descobri belas coisas sobre a delicada e sensualíssima anatomia feminina. Terminei me casando com uma mulher exuberante. Construí família. Mudei-me para o outro lado da praça, logo ali.

Ainda hoje observo a vampira. Linda como há trinta anos. Intacta e eterna. Conservada pela obstinação falida de uma feminilidade deturpada. Muito mais feminina que muitas mulheres, porque precisa provar para todos o que deseja ser. E precisa provar para si. E é, para mim, tudo o que quiser ser, a vampira da praça do fubá.

2 comentários:

Má! disse...

definitivamente seu... deliciosa leitura... pena que acabou! beijinhos

Tatili! disse...

Olha só, quando eu li o titulo, parecia aquela minisérie da globo: a desinibida do grajaú...ahahahah!
Adorei este também Fá!