segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Jonas, o Que Faz Seu Pai?


Havia só mais uma fileira de carteiras e pronto, Jonas contaria para toda a classe, inclusive para a professora, o que faz seu pai. Não tinha escapatória. O colégio era o único lugar no mundo (de Jonas) onde ele tinha a paz de não pensar na carreira constrangedora do pai.

“Meu pai é bombeiro, professora!”; “meu pai é vigilante!”; “meu pai é açougueiro!”; “mecânico!”; “carteiro!”; “coveiro!” – Todos tinham orgulho das profissões dos seus pais. Menos Jonas que, aos oito anos de idade, frustrara-se em duas fugas para fora da própria casa.

Os coleguinhas à frente iam logo dizendo o que faziam seus pais, esperavam a admiração geral, e imediatamente olhavam para trás, esperando que o próximo pai fosse menos poderoso que o dele. Jonas suava. Era sua vez! Sem pensar muito despejou uma ideia súbita:

“Meu pai, professora? Ele é um super-herói...” - Tinha um tom discreto e nada confiante na voz. A classe foi abaixo, às gargalhadas. Mas a professora pareceu interessada no que o menino tinha a dizer. Mesmo se o menino não soubesse o que dizer. As idéias foram surgindo.

“Ele guarda a roupa especial no porão de casa e ninguém entra lá, só eu! Aí eu ajudo a encontrar todos os bandidos do mundo. Ele disse que quando eu crescer vou ser super-herói também!” – Os meninos ainda riam, mas crescia neles a curiosidade pelo causo inesperado.

“Quando ele vai para a rua ele captura um monte de gente má, que faz maldade com criancinhas e diz que faz isso para me proteger, principalmente!” – Crescia agora, em Jonas, a confiança nas palavras e as ideias brotavam em sua cabeça como formigas em formigueiro.

“Ele cuida de todas as criancinhas, desde pequenininhas até as grandes. Porque ele adora criança! Lá em casa tá sempre cheio de criança porque lá é muito seguro para brincar!” – Jonas andava pela classe e contava cada detalhe da falsa profissão do pai. Agora todos o invejavam.

“A roupa dele é muito legal porque deixa ele invisível e por isso ninguém nunca vê ele, mas é ele que não deixa nada de mal acontecer!” – Os meninos olhavam para os lados procurando o pai invisível e destemido de Jonas, alguns reproduziam gestos marciais em sua homenagem.

“E depois de tudo isso ele ainda tem tempo para brincar comigo e jogar bola no parque. Eu amo muito meu pai porque ele cuida de mim e de todo mundo.” – Os olhos da professora brilhavam. Jonas não sabia onde aquilo ia dar, mas percebeu um vislumbre incomum nela.

Toda aquela fantasia durou até o fim da aula e o restante da turma acabou não dizendo o que seus pais faziam. Nem queriam mais. Todo mundo queria era saber sobre o “Raio Invisível” (já tinham o apelidado). Jonas não tinha remorso da historinha, gostara do resultado até ali.

Pela primeira vez entendeu o que querem os outros. Não a verdade, mas uma mentira bem contada. Por mais absurda que seja, se contada com esmero, é a verdade mais pura e sincera que qualquer ser humano espera ouvir. Tanto tempo perdido em aflição. Se soubesse antes...

De qualquer forma, esperou mais um tempo na sala porque a professora pediu. Satisfeito com sua nova popularidade e também a repentina vitória sobre a vergonha que tinha do pai. Depois que todos saíram, ela veio em sua direção com um grande sorriso e disse:

“Olha Jonas, metade da turma mentiu a profissão dos pais aqui, mas só você foi belo para brincar com a imaginação, parabéns” – Sentiu-se aliviado, mas desconfiado. “Quero dizer que vou pessoalmente levar você para casa. Preciso falar com seus pais. Que menino brilhante!”

O menino não esboçou nenhuma reação. Parecia desligado do próprio corpo. Criara um problemão ali. Foi em silêncio fúnebre, sacolejando pelas ruas esburacadas, no banco de trás do carro da professora. Chegando lá, desviou o olhar e correu para o sofá, baixando a cabeça.

A professora contou a história do menino, apontou todas as possibilidades de futuro, assumiu o amadrinhamento dele e se dispôs a ajudar na casa. Tudo pela admiração instantânea naquele garoto quietinho e sem amigos. “Mas afinal, o que o senhor faz?” – Quis saber.

Todos na casa olharam para o pai, aterrorizados com aquela pergunta inocente. Jonas mantinha a cabeça baixa. O pai passou bem do seu lado e foi à cozinha. Na volta, tilintando o que pareciam fósforos, trancou a porta da frente. No dia seguinte, deu no jornal popularesco:

“Tragédia na Zona Sul, família inteira morre queimada em barraco. Professora do filho está desaparecida e a polícia considera hipótese de envolvimento no crime”

5 comentários:

tati basso disse...

Ai credo que horror. Me arrepiei até.
Voce anda vendo muita televisao!
Mas tá bem escrito...
Luv u!

Fabiano Malta disse...

É o ópio, Tati, é o ópio...

Lú, obrigado pelos minutos dispensados com os olhos e com os dedos! Me cativa! Bjos

47 disse...

hhahaha. show!!!!!!!!

Joel Pires disse...

Que conto sensacional! Cada vez mais sou fã da lietratura contemporânea, espalhada e anônima!

Fabiano Malta disse...

Muito obrigado Joel! Me sensibiliza! Grande abraço!