segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A Gemealidade e as Torres


Não se conheciam, aliás, nem se imaginavam. Mas havia quem os tivesse visto, individualmente. Cada um no seu próprio espaço geográfico. E provocava alguma confusão a cena improvável. Eram dois opostos ao mesmo tempo em que pareciam ser a mesma coisa.

Não tinham nenhuma semelhança, embora fossem um reflexo vivo. Filhos dos mesmos pais, com toda a certeza. E não eram, na verdade. Eis a beleza! A ciência, hoje, desmentiria. Havia uma distância oceânica entre eles. Dois continentes. E ficaria assim, não fosse pela tecnologia.

Jonas, um rapagão de dezoito anos, curtia sua recente libertação da infância. Descobria o sexo, as drogas, a arte e a noite, enfim, a vida. Passava muito tempo na rua conhecendo o mundo pulsante e cosmopolita da metrópole. Quando entediado, tornava-se recluso, com seu laptop.

Malaquias era esguio e pálido. Seus vinte e sete anos, tão injustos, lhe davam a sincera aparência de nove ou dez anos a menos. Não descolava os dedos do teclado e os olhos do computador, por isso, o talento para a informática era inevitável. Programava web sites.

Sábado à tarde para um, domingo de madrugada para o outro e, finalmente, se encontram no mundo. Ambos vagando pelo labirinto eletrônico da internet. Dois jovens com o mesmo interesse libidinoso de satisfazer-se sexualmente, cessando o ócio de um dia improdutivo.

A página exigia exposição pela câmera e os dois dispostos, pescoço para baixo. A língua universal da comunicação virtual os aproximou e provocou uma química maior do que a semi-nudez. Discutiram Nietsche e o antigo testamento. Wilde e a copa do mundo da África.

Eram dois homens com interesses comuns. Envolveram-se além da frivolidade sexual daquela página de conversação e trocaram contato. Permaneceram em uma relação intelectualmente carnal por meses, até o desejo converter-se em necessidade transcendental. Precisavam-se.

Continuavam oceanicamente distantes e não reconheciam-se pelos traços faciais. Era o que os diferenciava dos outros casais movidos à perversão, a propósito. Tinham o interesse intelectual além do estético e o fálico, além do estético (sacramentando, mais uma vez).

Com alguma racionalidade placebóidica, decidiram que transformariam aquela distância binária em proximidade tátil. Faltava corpo ao relacionamento. E era um relacionamento. Completo, apesar da tela de cristal líquido. Estavam mais conectados que a própria internet.

Programaram-se e, um deles (faz nenhuma diferença qual!), predispôs-se a forasteiro. O choque dominou-os quando reconheceram-se na definitiva versão estrangeira de si. Todo o aeroporto se arrepiou ao ver o calor passional daquele par de gêmeos amando-se no saguão.

A similaridade física, para os dois, consolidava uma particularidade que os casava até o infinito. Podiam ser mais predestinados? Burlesco... E quem poderia considerar a hipótese? Dois sósias, apaixonados. Andavam de mãos dadas e trocavam carícias públicas, alguns tinham vertigens.

Tocaram essa vida, conceitualmente incestuosa, felizes. Ninguém dizia que não. Despediram-se jovens, pela janela, no celular, atropelados por uma aeronave, envolvidos em um escândalo mais perturbador que a visão daquele amor, num dia onze, em um setembro nova-iorquino.

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