terça-feira, 16 de novembro de 2010

Feliz da Vida

                                                               Arte: Sueli Martini

Havia ali um homem feliz: Domingos. Completo idiota! Dono de uma felicidade genuína (habitualmente das crianças), sorria para tudo. Mais que para todos, ele sorria era para tudo! Não havia má notícia que tirasse o sorriso daquele bom homem. Irritantemente querido.

Domingos era do tipo inumano e não havia tempo ruim. Nem mesmo em dias de tempo ruim. Alguns tentavam estudar o bom astral daquele sujeito de vida medíocre. Torneirava em uma indústria de parafusos e, sem possibilidade de ascensão, especializava-se naquilo mesmo.

Era imbatível. Executava sua tarefa mecânica com maestria e, mesmo sem o devido reconhecimento, levava seu troco para casa no quinto dia útil. Sorridente, sentia-se recompensado pela vida. Não devia nada a ela e, nessa perspectiva, sentia-se grato.

Para Domingos tudo tinha jeito. Absolutamente tudo! As mulheres mais cobiçadas eram possíveis e os cargos mais altos seriam conquistados. Naquela cabecinha de ostra, os sonhos seriam, algum dia, alcançados. E todo aquele otimismo descabido, intrigava os da sua volta.

Inclusive Soraia, moça direita e boa cozinheira. Dotada de rara beleza. Assava os assados do homem, dia após dia, quando tinha o que assar. Na alegria e na tristeza, obrigou-a o padre. E levava uns safanões, às vezes, entendendo que a mistura era responsabilidade sua.

Domingos sorria, como se os tapas fossem doutrina doméstica à inocente mulher. Estava certo que antes que ela completasse vinte anos, aprenderia a fazer a comida render até o fim do mês. Soraia era a melhor mulher do mundo. Boa em respeitar a infidelidade de um homem.

Nunca reclamou uma só doença contraída no pouco sexo que faziam, afinal, o sujeito era bom homem. Tão feliz e inspirador. Voz mansa e jeito de covarde dengoso, jamais a desrespeitou em público. Todas as lições eram tomadas dentro de casa. Ali era homem, o íntegro sujeito.

E estava disposto as vinte e quatro horas do dia, contando seus sonhos possíveis em alto e bom som, para quem quisesse ouvir. Curiosamente, muitos ouviam e não duvidavam, tamanha era a sua confiança nas palavras. Domingos era um entusiasta. Que tremendo demagogo!

Só não conseguia se livrar do pequeno contratempo de urinar mundo afora, em todas as árvores, todos os portões, enquanto cantarolava as alegrias da vida. Gingava seu famoso passo descompassado, pé ante pé, pé sobre pé e, não raramente, pé para o ar, arrastando-se.

Por onde passava todos sabiam: “Lá vem Domingos. Maldito sujeitinho feliz, alguém tem que dar cabo nisso.” – E deu Soraia, subitamente corajosa, livrando-se pelo ralo do elixir mágico do marido. Passou um dia, passou o efeito, passaram as cores e a alegria.

Domingos passou a ser sujeito medíocre, assumidamente medíocre. Operário padrão, resmungão, sóbrio. Infeliz. A vida sorriu-lhe de volta, pela primeira vez. Não compassiva, mas, vitoriosa. E acenou cinicamente indicando satisfeita que o homem, enfim, não lhe devia nada.

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