segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Um Ponto Para o Contemporâneo


Quando veio o convite, sem hesitar aceitei de pronto. Quando me dei conta, já não podia voltar atrás. Tudo bem, tudo bem, nada estava perdido senão o risco assumido. E o momento é de degustação! Tempo de novas experiências e esta, se não nova, um desafio a conceitos pré-estupidificados dentro de mim.

Uma apresentação de dança. Contemporânea. Em São Paulo. Domingo à noite. Faltava muito pouco para que todos os fatores negativos de um convite estivessem juntos, de mãos dadas acenando com deboche para mim. Mas pela idoneidade do convite, o sim era a única resposta certa.

E o tal convite, com a organização preventiva dos mais tradicionais britânicos (embora uma divertida mistura de Chile, Estados Unidos e Brasil), me chegou com quinze (senão mais) dias de antecedência. Daria para retorcer minha ansiedade, se eu fosse de retorcer.

Esperei os dias correrem na pressa oscilante das horas e, diplomático, conservei em uma pequena gaveta, no subterrâneo do meu cerebelo, o negativismo do que isso poderia dar. Para que mais os preconceitos senão para exorcizá-los nas horas mais vulneráveis?

Chegou o tal domingo, quinze de agosto, seis da tarde. Antes disso, a ressaca de um sábado surpreendentemente paulistano em Embú das Artes. Recuperação lenta e dominical, mas, o percurso até Santo Amaro, em outra surpresa, fluiu como em linha reta. Estou aprendendo São Paulo, enfim.

A apresentação no Teatro Alfa começa pelo ambiente, todo pomposo em sua fachada de mármore com acabamento de madeira (nobre?) na sala. A cortina azul com detalhes em dourado alimenta a pompa e convidam cartolas, cetros e monóculos. Felizmente, o traje dispensava gala.

Nos minutos iminentes do início, já confortável e protegido do frio invernal da capital, fui tomado pelo sono dos (in)justos e aceitei (com devida autorização) que a dança tinha dançado, embora, no palco, o aclamado Grupo Corpo.

Por isso, com brava resistência, até consegui ver, quando as luzes se apagaram, o início aceitável das coreografias comedidamente desgovernadas. Segundos depois, minha cabeça dançava no compasso contemporâneo do palco, sustentando-se entre os ombros, para não despencar chão abaixo.

A tendência em sacramentar o preconceito tolo e fácil sobre a dança moderna estava cada vez mais próxima da constatação. Nunca neguei que minha preindisposição à dança tem origem na preguiça de compreender este campo da arte. Jamais dei a abertura merecida.

Felizmente, essa me pareceu uma boa oportunidade para entrar na dança! Retomei a força nas pálpebras e assisti, catártico, a conclusão do primeiro ato. Daí até o descer das cortinas, a deliciosa ruína de mais um chute na ignorância artística.

É fato que, para qualquer apreciação artística, é preciso um bom tutor. Foi assim com o cinema, o teatro, a música e as artes plásticas. Do meu lado, dezesseis anos de balé clássico e uma vocação para a dança. Indispensável.

Comecei a entender, pela primeira vez, a arte da dança. Digo, ainda estou há anos de começar a entender qualquer coisa na dança, mas pela primeira vez, esbocei uma compreensão artística e não esportiva no ato, nos movimentos.

Há uma clara construção poética, muito além do exercício físico e da exibição muscular. Uma estupenda subjetividade nos movimentos. Uma linguagem não verbal, profundamente sentimental, de uma sensibilidade própria das artes, não dos esportes.

Parece até uma impressão ingênua e superficial, reconheço, mas, não capaz de ser outra coisa, é! Ingênuo e superficial, sou uma criança encantada com essa nova descoberta. Curioso e vislumbrado, disposto a escarafunchar tantas outras novas apresentações.

Agora, tudo o que penso são os muitos convites negados ao longo dos últimos anos. Na falta de interesse sem propósito. Penso no que descobri, toda beleza e leveza, o exercício mental de compreender o que está sendo dito aos nossos olhos e ouvidos. Em toda a sensualidade.

E me lembro imediatamente de uma grande promessa da dança, minha referência, tão próxima, fruto indireto da totalidade destes convites. Um dos rostos mais exuberantes e hipnotizantes já vistos. Não tive o privilégio de assistir no palco, e hoje, invariavelmente disposto, provavelmente, jamais terei.

Mas, sem tempo para frustrações, durmo sob o encanto de mais um elemento artístico incorporado em minha bagagem (de mão) intelectual. Satisfeito pelo convite; feliz com o resultado; esperançoso pelo preconceito vencido; saciado, por ora, da arte.

Um comentário:

Tatiana disse...

Uau domingo legal!