sexta-feira, 28 de junho de 2013

O Herói da Ponte Vida Longa



Flutuam, como se voassem na água. Desfilam lentamente seus corpos sinuosos, rajados e brilhantes. Parecem despreocupadas. Não estão. Eu fico olhando de perto, bem de perto, sem entender o que querem dizer, mas, mesmo ludibriado pelo bucolismo belo dali, desconfio.

Desconfio que enclausuradas. Presas e indefesas. E meramente ornamentais. Realojadas do mundo próprio para um minimundo, estritamente visual. Definitivamente dos outros. Readaptadas a um pequeno espaço e submissas. Aos olhos e caprichos humanos. Estúpidos.

Estúpidas, entre pedras e plantas aquáticas. Um habitat tão falso que até mesmo os pardais zombam da clausura delas. Os pássaros vêm, se lavam na baixa água da piscina inatural, desdenham das carpas e batem as asas para longe dali, reverberando alto a própria liberdade.

As pessoas ao redor estão ocupadas em comer. Salvo uma ou outra criança, com migalhas de pão nas mãos, ninguém percebe a agonia apática das flageladas. Nem mesmo as crianças, alimentando-as. Alimentando a pintura podre do aprisionamento. São apenas crianças.

Levanto da mesa, meus sushis e sashimis estão entalados na garganta. Afasto com os braços as crianças e meto a mão na pequena piscina. Saco da água uma carpa trêmula. Epilética e confusa. Olham-me estranhados, sacam os celulares. Corro para longe com o bicho na mão.

Atravesso avenidas, cruzo carros em alta velocidade, alcanço finalmente a ponte da Vida Longa e arremesso o peixe com toda a minha força para o meio do rio. No alto, quase tocando a lua, suas escamas piscam de alegria enquanto corro de volta, em direção ao restaurante.